Ele pede penas mais duras para menores infratores, dentre outras ações para coibir o envolvimento deles no tráfico de drogas
Juiz da Infância e Juventude de Rio Preto, Evandro Pelarin
O juiz da Vara da Infância e Juventude de São José do Rio Preto, Evandro Pelarin, divulgou em sua rede social uma carta que foi encaminhada a deputados federais e senadores da república. Nela, o magistrado pede penas mais duras para menores infratores, dentre outras ações para coibir o envolvimento dos mesmos no tráfico de drogas.
Confira na íntegra a carta:
Ex.mos Deputados Federais. Ex.mos Senadores da República
Esta é uma carta aberta. De um servidor do Poder Judiciário. Juiz de Direito há 18 anos. Atualmente, numa vara especializada de infância e juventude. Em São José do Rio Preto, SP. O pedido: alterações, em alguns pontos, da Constituição Federal, do Código Penal, da Lei de Execuções Penais e do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Primeiro ponto. Redução da idade penal. Para 16 anos. Para crimes hediondos. Homicídio qualificado. Latrocínio. Estupro. Extorsão mediante sequestro. Tráfico de drogas. Não é possível que alguém com 17 anos, que incorra num desses crimes, fique menos de três anos na Fundação Casa. Muitos, na prática, não ficam um ano.
Segundo. Elevação do tempo inicial de internação provisória. Hoje, se o menor é apreendido em flagrante, com decretação de internação provisória, ele não pode ficar mais de 5 dias na cadeia pública. Se não chegar a vaga para a Fundação Casa, o menor vai pra rua. E muitos vão pra rua, na prática, mesmo tendo cometido crimes graves. Não dá tempo para disponibilizar a vaga. O prazo de 5 dias é exíguo para toda a burocracia de pedidos, despachos e deferimento da vaga. Parece até que, do jeito que está hoje, foi feito para não dar certo mesmo. A impunidade, portanto, fica em evidência.
Terceiro. Mais clareza na lei: Menor pode trabalhar sim. Pois o trabalho educa e regenera. Se não dermos a ele um posto de trabalho, o tráfico está aí para empregá-lo. E vai pagá-lo em dinheiro, drogas ou surras, corrompendo-o ainda para roubar, com uma arma na mão. Esta é a nossa realidade. O que acontece todos os dias. Infelizmente. O Brasil não é a Suécia. Nossa lei tem que ser adequada ao nosso país.
Quarto. Criação de um crime (ato infracional) específico: desobediência ao professor. A medida deverá ser rígida. Com possibilidade de internação. Não se educa sem disciplina. E nossas escolas estão sofrendo hoje pela baderna e pelo crime, que se aproveitam de leis que passam a mão na cabeça do menor infrator. Os professores são as primeiras vítimas, junto com os bons alunos. Mas há uma vítima fatal: o ensino. O Brasil é um dos piores no mundo. Uma vergonha.
Quinto. Que os Juízes da Infância e da Juventude, ouvindo o Ministério Público, a OAB, as polícias e as forças vivas da sociedade possam estipular critérios objetivos de proteção aos menores de 18 anos, levando em conta as peculiaridades de cada município. Neste ponto, tenho a oferecer às V. Ex.as a experiência protetiva de um cidade, Fernandópolis, que decidiu conosco adotar horário noturno para os menores desacompanhados. Os crimes (atos infracionais) despencaram e o envolvimento de menores com drogas diminuiu, sensivelmente.
Sexto. Penas mais graves para pais que abandonam seus filhos. Trabalhando numa Vara de menores é que se vê o quanto há de abandono. Pais que transferem suas responsabilidades para a escola, para o Conselho Tutelar. Quando chamados aos seus deveres, culpam seus próprios filhos. E se processados, correm para o papel de vítimas “do sistema”.
Sétimo. Criminalização do porte para consumo próprio de maconha, cocaína e crack. Pelo menos, como estava na lei, antes de 2006. O tráfico se agiganta (e cresceu muito depois da despenalização do consumo em 2006) porque o consumidor está à vontade para comprar. A polícia prende um, vem dois traficantes. É a lei da oferta e da procura. Se tem gente (e aumenta cada dia mais) querendo comprar e pagando (e qualquer preço), vai ter quem quer faturar e por no mercado. Aliás, a punição ao consumo de drogas segue a mesma lógica da punição à receptação e à pedofilia. Punem-se os compradores de produtos roubados, para desestimular o roubo de cargas, e condenam-se os consumidores de pornografia infantil, para se combater o abuso sexual de crianças. Repita-se, portanto: puna-se o consumidor de drogas para desestimular a compra e arrefecer a oferta do entorpecente.
Um parêntese. Nesse ponto, temos que deixar bem clara a realidade, que parece ofuscada pelo discurso legalizante das drogas, fortemente defendido nas elites intelectuais e financeiras do Brasil, pois, embora não punido com prisão hoje em dia, o consumo está definido como crime e muitos bacanas e filhos de bacanas, pegos com seu pozinho, ainda tem que “tocar piano” nas delegacias: o tráfico vem se estruturando cada vez mais com uso de adolescentes. Quem faz a entrega do pó, da pedra ou do cigarro proibido ao consumidor, na esquina, são quase sempre menores de idade. E por uma razão simples: impunidade. Menor não reponde por crime.
Oitavo. Fim das tais “saidinhas” de condenados em dias especiais, Natal e outros feriados. Isso é mais um dos sinais de fraqueza da lei, que passa o recado de que o sistema é frouxo e sentimental, enquanto o mundo do crime é objetivo e não tem nada desse sentimentalismo, adotado, aliás, pela criminologia brasileira, dominante nas universidades, como se estivéssemos diante de Jean (s) Valjean (s) de Victor Hugo, no enredo de Os Miseráveis.
Esses são alguns pontos. Não todos os necessários, evidentemente. Mas aqueles que reputamos urgentes. Temos hoje parte significativa de menores perdidos. Um pedaço de uma geração que o Brasil não poderá contar. Pois estão marginalizados, usados por bandidos maiores, dependentes de drogas, abandonados pelos pais, pelas famílias. Na opinião deste magistrado, tendo como causa principal a fraqueza de nossas leis.
OBS1: Estas propostas têm foco específico: alteração de leis. Não envolvem problemas como estrutura familiar, melhoria de educação, lazer etc, que são fundamentais, óbvio, mas não impedem, também obviamente, a mudança legal aqui proposta.
OBS2: Aos leitores desta carta, publicada original e integralmente no Facebook do autor, registre-se que, além de aberta, ela está sendo enviada, por email, aos Ex.mos Senadores da República e Deputados Federais, pois são eles que detêm a prerrogativa constitucional para qualquer mudança legal.
(Evandro Pelarin - Juiz de Direito da Infância e da Juventude da Comarca de São José do Rio Preto, SP).