Ela expõe fases do fim de casamento com letras humanas e som alienígena.
Exorcizar uma separação, sem pudor de revelar todas as fases do rompimento, é tarefa difícil, mas pode indicar uma luz no fim do túnel. O caminho que levou ao fenômeno da dor de cotovelo pop "21", de Adele, é reescrito pelas linhas tortas de Björk no álbum "Vulnicura". Em resumo, não está fácil para a islandesa. Nem no lançamento a cantora de 49 anos deu sorte. Previsto para março, o álbum vazou e teve que ser vendido às pressas, a partir do dia 20.
O nono disco dela surpreende pelo teor confessional. Björk documenta a crise conjugal e a separação do artista Matthew Barney. Eles têm uma filha, Isadora, de 12 anos. As letras inspiram no ouvinte uma proximidade inédita, enquanto o som segue alienígena: vocal etéreo, arranjos de cordas e programações eletrônicas incomuns dão o tom das faixas. Elas são longas: cabem apenas nove em uma hora. Só "Black lake" tem dez minutos de pura bronca em Matthew.
Espinafrada épica
As seis primeiras músicas são datadas em relação ao divórcio ("5 meses antes", "6 meses depois"). Na longa "Black lake", da era pós-Matthew, está o epicentro de "Vulnicura". As cordas, de poucas notas em tensão crescente, são de arrepiar. Mas arrepiado mesmo deve ter ficado o ex ao tomar a espinafrada épica: "A família sempre foi nossa missão sagrada mútua / Que você abandonou /... Você não tem nada para oferecer".
"Notget" é o melhor resultado da parceria com o produtor venezuelano Arca (Kanye West, FKA twigs). As batidas têm os mesmos arroubos assustadores do último disco do rapper. Mas é a letra desta o ponto mais soturno do disco. Ela associa o fim do amor ao medo da morte, e ainda lembra a necessidade de proteger a filha de todo o trauma.
Classe indie sofre
"History of touches" acerta as contas do lado sexual. Björk descreve o último contato íntimo na cama como um resumo de "todas as trepadas". Nas três últimas faixas ela para de contar o tempo de divórcio, insinuando uma libertação. "Atom dance", com Antony Hegarty, marca essa virada, com a liberdade sugerida nos efeitos dos vocais singulares dos dois cantores.
Quem não suporta Björk deve continuar longe de seus gritos. Mas quem é fã, ou ao menos dá uma chance a ela, vai querer dar um abraço forte e fazer cafuné em "Vulnicura". Em vez de viagens excêntricas sobre a mãe natureza, o tema familiar comprova: Björk também é gente. Se Adele é pouco indie para você, aí está uma nova opção alternativa de "disco de coração partido" para chamar de seu.