O extremismo acontece toda vez que se toma a decisão de se livrar de um oponente. Um extremista é quem julga que a presença do outro é intolerável — e não apenas as suas ideias ou ações. Mais do que isso, um extremista deseja que essa pessoa desapareça e, se possível, sofra antes de desaparecer. O ressentimento e o desejo de vingança são o combustível do extremista: ressentimento por não suportar o estilo de comportamento do outro, suas escolhas e seu modo de decidir como viver. Esse ressentimento gera a raiva pela simples existência do outro e alimenta o desejo de vingança pelo fato de ele existir.
No livro Nossas Noites, de Kent Haruf, dois idosos viúvos, que moravam na mesma rua, decidem viver juntos para aliviar a solidão. O filho de um deles, mal casado e com histórico de pai ausente, não suporta o bem-estar da mãe com a presença daquele “estranho”. Mesmo que ela afirme estar lúcida, autônoma e consciente de suas decisões, o filho ressentido usa o neto como chantagem para separar o casal e tentar tornar a mãe tão amargurada e triste quanto ele.
O extremista, muitas vezes, esconde seu ressentimento sob a capa da busca por bons costumes e por uma moral “correta”. São as pessoas que se autodenominam “do bem”. Defendem a família e os costumes, mas não se importam em sustentar ideias que causarão sofrimento àqueles que não vivem conforme os padrões que, no limite, desejam que essas pessoas “diferentes” não existam, para não “contaminar” seus filhos e sua comunidade. Esse raciocínio, de forma tortuosa, assume-se como “cristão”. O curioso é que, por mais que se revirem os textos bíblicos que fazem referência a Jesus e a seus ensinamentos, não se encontrará neles esse ressentimento nem esse desejo de vingança presentes nos discursos dessas pessoas.
Os extremistas colocam em risco a vida das pessoas contra as quais dirigem sua aversão, na medida em que desejam que elas não existam. Um extremista não é necessariamente quem aperta o gatilho ou empunha a faca — embora quem o faça sempre o seja. Pode ter voz suave e modos refinados, mas sua mensagem é de estímulo ao ódio higienista e, portanto, um risco para os que são alvo de sua pregação.
Segundo dados da Defensoria Pública do Estado do Ceará, de 6 de fevereiro de 2025, o Brasil mata uma pessoa trans ou travesti a cada três dias e lidera o ranking mundial de assassinatos pelo 17º ano consecutivo.
Quem mata trans e travestis, mata motivado por quais razões?
O Brasil tem a quinta maior taxa de feminicídio do mundo. O índice chega a 4,8 para cada 100 mil mulheres, segundo a Organização Mundial da Saúde.
Quem mata essas mulheres, mata motivado por quais razões?
Segundo o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, de novembro de 2024, o Brasil teve, naquele ano, mais de 5,2 mil violações de injúria racial e racismo.
Quem agride alguém por causa de sua cor, faz isso motivado por quais razões?
O extremismo resulta da vontade de organizar o país “a partir do que eu acho” e não a partir do que a Constituição Federal estabelece, cujo fundamento é a preservação da dignidade humana e a igualdade de todos perante a lei. Logo, um extremista quer que o mundo tenha sua cara e feição, e que os “incomodados” se retirem. Ou sejam retirados.
A lógica do extremista o empurra sempre para os extremos, onde outros extremistas podem querer aplicar sobre ele as mesmas palavras que defende. Por isso a morte de extremistas tem se tornado mais comum, o que causa tristeza geral. Tristeza porque o caminho do extermínio é o caminho que devemos repudiar sempre — seja pela experiência acumulada em um passado recente, seja pelo caminho de cidadania e dignidade que já conseguimos construir. Por isso, quem comemora a morte de um extremista aproxima-se dele mais do que reforça o seu oposto. É um ressentido que se sente vingado. Se se olhar no espelho, verá a face de quem condena. E não contribuirá em nada para melhorar nossa pobre e doentinha civilização.