O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros sete réus pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), no processo que apura suposta tentativa de golpe de Estado, trouxe novamente os olhos da opinião pública para os crimes contra o Estado Democrático de Direito. No mesmo dia em que os ministros começaram a analisar as imputações, no Congresso Nacional ganhou corpo um movimento paralelo, com a apresentação de um projeto de lei destinado a conceder anistia ampla e irrestrita aos condenados e investigados pelos atos de 8 de janeiro de 2023. A coincidência dos fatos não passou despercebida e reacendeu o debate sobre os limites jurídicos e políticos desse instituto.
Para compreender a questão, é necessário lembrar que anistia, graça e indulto são formas de extinção da punibilidade, conforme o artigo 107, inciso II, do Código Penal. Em termos práticos, significam benefícios que interrompem a execução da pena, configurando uma espécie de perdão. Apesar de integrarem a mesma categoria jurídica, apresentam diferenças relevantes quanto à forma de concessão, alcance e efeitos.
A anistia é concedida pelo Congresso Nacional por meio de lei federal. Seu efeito é amplo, pois não apenas extingue a pena, mas também elimina todas as consequências jurídicas do delito. Na prática, o crime deixa de existir, a ficha criminal do condenado é zerada e ele volta a ser considerado primário. É justamente por essa força abrangente que a anistia é vista como instrumento de pacificação política em momentos históricos específicos.
A graça e o indulto, por sua vez, são prerrogativas do Presidente da República e concedidos por decreto. Ambos se destinam a extinguir a pena, mas sem apagar o crime. A diferença está no alcance: a graça é individual e depende de pedido, que pode ser feito pelo próprio condenado, por qualquer cidadão, pelo Ministério Público ou até por um conselho de sentença. Já o indulto tem caráter coletivo e não exige provocação, sendo muitas vezes concedido de ofício, como no caso do tradicional indulto natalino. Em ambos os casos, o réu é liberado do cumprimento da pena, mas continua com os efeitos secundários, como a reincidência.
Embora o instituto da anistia seja legítimo e previsto em nossa ordem jurídica, a Constituição Federal estabelece limites claros. Crimes hediondos não podem ser anistiados, assim como os crimes contra o Estado Democrático de Direito, que são inafiançáveis e imprescritíveis, segundo especialistas. A Lei 14.197 de 2021, que revogou a antiga Lei de Segurança Nacional, tipificou condutas como tentativa de golpe de Estado, justamente para proteger a ordem constitucional, e a jurisprudência do STF já apontou que tais delitos não admitem perdão coletivo.
O debate atual, portanto, revela uma deturpação do sentido original da anistia. Mais do que uma busca por conciliação política, o que se observa é um movimento de natureza estratégica, voltado a neutralizar condenações e processos em andamento. Trata-se de uma tentativa de dar roupagem jurídica a um projeto que, no fundo, se aproxima mais de um salvo-conduto político do que de um verdadeiro processo de pacificação nacional.