Nesta semana, o mundo jurídico e político brasileiro foi surpreendido por uma medida tomada diretamente de Washington: a inclusão do nome do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), na lista de sancionados pela Lei Global Magnitsky. A decisão unilateral do governo americano provoca perplexidade e abre um perigoso precedente nas relações internacionais. Afinal, estamos diante de uma sanção imposta contra um magistrado de uma Corte Suprema de um país democrático, em plena vigência do Estado de Direito.
A chamada Lei Magnitsky é um mecanismo legislativo estadunidense, aprovado em 2012, que permite ao Executivo norte-americano aplicar sanções contra pessoas de qualquer nacionalidade, acusadas, ainda que sem condenação judicial, de corrupção ou violação de direitos humanos. A norma autoriza o bloqueio de bens, a suspensão de vistos e até o encerramento de contas em plataformas digitais sediadas nos EUA. A ideia original era punir envolvidos na morte do advogado russo Sergei Magnitsky. Mas o escopo da lei rapidamente se expandiu e passou a ser usado, não raras vezes, como ferramenta de pressão geopolítica.
O caso de Alexandre de Moraes, no entanto, escancara o uso político e seletivo desse instrumento. O ministro, ainda que alvo de críticas internas por sua atuação em processos sensíveis, não responde a qualquer processo por corrupção e age dentro dos marcos da Constituição Brasileira. Todas as suas decisões são tomadas no exercício da magistratura e submetidas ao colegiado do STF. Não há, portanto, qualquer base legítima para a aplicação da lei americana neste caso, exceto o desejo de interferência externa na política nacional.
Mais grave do que isso é o fato de que nenhuma acusação formal foi feita. A sanção decorre de um ato puramente administrativo, sem contraditório, ampla defesa ou devido processo legal. Trata-se de uma punição imposta por um governo estrangeiro a um membro do Judiciário brasileiro, o que fere o princípio da soberania nacional e agride as instituições democráticas do país.
A Transparência Internacional, referência mundial em combate à corrupção, alertou para o risco do uso político da Lei Magnitsky, especialmente sob administrações com histórico de instrumentalização ideológica da política externa, como ocorreu nos Estados Unidos nos últimos anos. A sanção contra Moraes, relator de processos envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro, tem claro teor simbólico e corre o risco de ser interpretada como interferência nos rumos da Justiça brasileira.
Não se trata de defender ou criticar o ministro Alexandre de Moraes. Trata-se de defender a autonomia do Poder Judiciário brasileiro e a autoridade do nosso ordenamento jurídico. A luta contra abusos de poder e violações de direitos deve ocorrer dentro das instituições nacionais, com observância ao devido processo legal e às garantias fundamentais. Exportar punições políticas disfarçadas de medidas jurídicas é incompatível com a convivência entre democracias.
Permitir que uma legislação estrangeira, baseada em critérios tão abertos quanto subjetivos, seja usada para descredibilizar instituições democráticas de outros países, como o Judiciário brasileiro, é abrir espaço para uma diplomacia da intimidação, travestida de juridicidade. Quando a sanção se descola da justiça e serve apenas à conveniência política do momento, deixa de ser instrumento de proteção para se tornar ferramenta de dominação.