A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) homologou, na última quarta-feira, 11 de junho, o plano de ação apresentado pela União para regulamentar a produção nacional da maconha medicinal. A nova data-limite foi fixada para 30 de setembro de 2025, e mar-ca um avanço importante no processo de adequação normativa à crescente judicialização da cannabis com fins terapêuticos.
A decisão ocorre no contexto de um recurso interposto por uma empresa de biotecnologia, que buscava garantir o direito à exploração industrial do cânhamo, variedade da cannabis com baixa concentração de THC, substância psicoativa da planta. Em novembro de 2024, o STJ já havia autorizado a importação de sementes e o plantio do cânhamo industrial, estabelecendo prazo de seis meses para que a União promovesse os ajustes necessários à regulamentação.
Ainda que os órgãos competentes, União, Anvisa e Ministério da Saúde, não tenham cumprido integralmente a determinação judicial, o tribunal reconheceu os esforços inicia-dos e decidiu estender o prazo. Entre os atos normativos a serem revistos estão a Portaria SVS/MS nº 344/1998, que proíbe o uso do cânhamo industrial no Brasil, e a RDC nº 327/1999 da Anvisa, apontada como um dos principais entraves ao desenvolvimento do mercado de cannabis medicinal no país.
A partir dessas alterações regulatórias, será possível não apenas importar, mas também cultivar a planta em território nacional para fins farmacêuticos e científicos. Isso representa uma mudança significativa na política pública de saúde e poderá reduzir os custos dos tratamentos, atualmente encarecidos pela necessidade de importação de insumos.
Apesar dos avanços, causa preocupação a limitação imposta pelo próprio STJ ao mencio-nar exclusivamente variedades da planta com teor de THC inferior a 0,3%. Essa exigência técnica, embora compreensível à luz da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006), pode restrin-gir o acesso a tratamentos baseados em outras composições da cannabis com reconhecida eficácia terapêutica.
Destaca-se que o cânhamo industrial, por conter níveis ínfimos de THC, não se enquadra na definição de droga prevista pela legislação nacional. Além disso, as convenções inter-nacionais ratificadas pelo Brasil, como a Convenção Única sobre Entorpecentes (1961), a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas (1971) e a Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes (1988), autorizam o uso medicinal e industrial da cannabis, desde que observada a regulamentação de cada país.
Sob o ponto de vista jurídico, chama atenção a postura institucional adotada pelo STJ, que preferiu fomentar o diálogo entre os Poderes em vez de impor uma regulamentação direta. A Corte sugeriu que a Anvisa siga as boas práticas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), inclusive com a aplicação da Análise de Impacto Regulatório (AIR), a fim de garantir decisões técnicas mais transparentes e participativas.
A viabilização da produção nacional da maconha medicinal representa um importante alívio à judicialização crescente da saúde e deve ser vista como oportunidade de adequa-ção das normas infralegais às decisões judiciais já consolidadas. O Judiciário abre espaço para que o Executivo atue com responsabilidade, técnica e celeridade.