Inseridos na cultura pós-moderna, pós-cristã, pós-industrial, cultura do “pós”, apresenta-se o desafio do resgate da singularidade do ato de educar. Essa cultura contemporânea é a cultura do “click”. Com um simples click, informações chegam e informações vão, a reflexão ou o trabalho de alguém já está pronto, monografia ou a dissertação aparece pronta. Basta um comando e a solicitação será imediatamente entregue. Nessa cultura do imediato, pretende-se chegar sem a árdua mediação do caminho, cultura do imediatamente presente, do rapidamente recebido.
Nessa lógica, estamos mergulhados na cultura do fragmento, da superficialidade, que impossibilita a visão sistêmica, a formação de uma inteligência da complexidade. Permanecer nesse primeiro estágio costuma ser desejo e realidade de muitos. Superar essa superficialidade, que traz as marcas da banalidade, da fugacidade e da alienação é função primeira do educador, que se torna mestre na arte de educar, à medida que auxilia no processo da educação para a autonomia intelectual e ética, auxiliar na aprendizagem do mergulho nas raízes do saber significativo.
Filhos da cultura do fragmento, educadores e educandos são interpelados a construírem uma nova inteligência, inteligência da articulação, inteligência da complexidade, que percebe que todas as coisas estão articuladas e reconhece que é impossível um conhecimento significativo sem perceber ou construir relações, pois a vida é teia, rede de relações inclusivas. Contudo, apesar de ser a nossa forma natural de aprender, a capacidade de articular saberes foi anestesiada na história de nossa educação, especialmente moderna, que acentuou em demasia a metodologia do estudo por partes isoladas das outras partes, dando origem ao excessivo valor de cada disciplina, separadamente.
Infelizmente, diante de problemas cada vez mais globais, planetários, multidimensionais e transdisciplinares, encontramos a educação ainda marcada por saberes separados, fragmentados, compartimentados entre disciplinas. Com efeito, a educação que não favorece a percepção global conduz ao enfraquecimento do senso de responsabilidade e de solidariedade, uma vez que a fixação no saber fragmentado mata a relação e, consequentemente, caminha na destruição do todo. Ora, há uma complexidade no todo que não se reduz e nem é captável na junção das partes. Por isso, a educação não pode estar focada em ensinar a decompor, mas a recompor, ou melhor, preservar e cultivar as relações.
Por isso, torna-se imperativo para a educação colocar-se a serviço da mudança de paradigma, capaz de ressituar, reorientar e ressignificar as ações humanas no planeta. Dessa forma, na construção de uma inteligência da complexidade e da articulação dos saberes, o ato de educar, encarnado em um projeto educativo e politico, assume o compromisso de redirecionar o conhecimento, construindo relações que promovam a vida, em escala planetária.
Dessa forma, no espaço educativo, precisamos atuar no sentido de construirmos uma atitude metacognitiva, capaz de refletir sobre o próprio processo de aprendizagem, aprendendo a aprender, buscando construir relações e articulações, fazendo do erro um grande aliado da aprendizagem, uma vez que sinaliza para focos, espaços e tempos de necessária intervenção. Assim, o ato de educar torna-se expressão de atitude educativa, construindo nova orientação na dinâmica educativa.
Entre os objetivos da educação, para essa nova forma de pensar, destaca-se o compromisso do educador com a arte de lapidação da alma humana. Nessa arte, cada disciplina, cada saber especializado, cada nova tecnologia disponível é meio, é instrumento, e como tal dever ser concebido. Nesse processo de formação da identidade de cada sujeito, em interação com os outros sujeitos e cidadãos, torna-se objetivo primordial do ato de educar a formação para progressiva autonomia, tanto intelectual quanto moral e ética, mediante cultivo de uma consciência em esclarecimento, crescendo na habilidade da apreciação crítica, dos juízos éticos, em busca de nova moral, no horizonte de um estado democrático de direito.
Para a construção dessa atitude de vida, na qual teoria e prática reciprocamente se alimentam, a metodologia deve estar centrada no aluno, como sujeito do processo da aprendizagem. Por isso, desde o primeiro contato, os alunos devem ser seduzidos para o processo da construção coletiva e pessoal do conhecimento, em um ambiente que realiza o que significa. Nessa dinâmica, o aluno deverá perceber o quanto ele é o responsável pela construção de sua identidade e pelo processo de destinação da vida.
Contudo, essa exigência não se realiza se a presença do professor em sala de aula estiver associada à imagem de quem “dá aula”, de quem fica exausto ao final de uma jornada por motivo de aulas expositivas. Com essa postura, o aluno permanece na passiva, na recepção periférica, e acabamos traindo a concepção de que o conhecimento é uma resultante do processo de construção intersubjetiva. Assim, na contramão dessa tendência, o ato ou a atitude educativa deve buscar não imprimir ou formatar, mas desentranhar potencialidades inscritas em cada parceiro de investigação, tornando-o sujeito do processo.
Em conformidade com a metodologia focada na aprendizagem significativa, o nosso fazer pedagógico se coloca a serviço da formação das habilidades cognitivas e reflexivas, em cada parceiro do diálogo investigativo, bem como a serviço da consciência política e da presença cidadã. Dessa forma, o educador assume compromisso com a educação para a sociabilidade humana, lutando contra a tendência do individualismo sempre presente.
Portanto, educar para a cidadania é educar para construção de competências que se atualizarão nas habilidades, tais como saber conviver, aprender a dialogar, saber trabalhar em equipe, construir soluções para conflitos e impasses, construir consensos. Em consequência, a forma como a aula acontece, sua estrutura e dinâmica devem sinalizar para o espaço democrático do direito, da ativa e decisiva participação de todos. É preciso, portanto, que a sala de aula seja reflexão e antecipação da cidade ideal, sem exclusões, sem preconceitos discriminatórios, de qualquer natureza: étnicos, ideológicos, religiosos, de orientação sexual, etc.
Recordando o método socrático-platônico de construir conhecimento, conhecido como maiêutica e dialética, o mestre torna-se parteiro que auxilia no parto das ideias, em direção à construção do conceito, através do diálogo. No resgate dessa metodologia, a função do educador se realiza, inicialmente, partindo do saber prévio dos alunos para, em seguida, iniciar a problematização desse senso comum, oportunizando ao sujeito o olhar e o reconhecimento de seus próprios pressupostos, auxiliando na construção e explicitação de seus princípios. Assim, conhecimento e vida cotidiana permanecerão sempre vinculados, devendo o educador organizar e dinamizar situações e vivências de aprendizagem significativa, envolvendo os alunos nas etapas do processo de ensino/aprendizagem.
Com efeito, a maiêutica e a dialética nos recordam que o educador deve administrar a progressão da aprendizagem dos alunos, favorecendo o encontro dos saberes já existentes e construídos, possibilitando que um aluno possa também ser mediador no processo de aprendizagem de outro aluno, em ambiente de dialogo investigativo. Isso implica gestar novo espaço educativo, fazendo da sala de aula oficina, na qual o saber é construído e reconstruído, apropriado e reapropriado, mediante progressivas desequilibrações, provocadas pelo próprio mestre, comprometido com a construção da inteligência da complexidade. Assim, o ambiente escolar deve encontrar sua força motriz na oficina do saber em construção.
*Celito Meier é teólogo, filósofo e educador