Setembro fala de primavera. Flores, beleza, céu azul. Associou-se-me à mente a experiência humana da amizade. Nela experimentamos momentos primaveris de vida. Gozo da perenidade da primavera. É de sempre. Os antigos a viam e viviam com olhar muito bonito. Vale a pena ouvi-los.
O homem bíblico curtiu a amizade. O amigo fiel se faz refúgio seguro, quem o encontrou, encontrou um tesouro; não tem preço, é bem inestimável, é um elixir de longa vida (Eclo 6,14.15). O povo de Israel cultivou enormemente a acolhida. Cenas belíssimas de hospitalidade povoam a história do povo escolhido. Os judeus tinham e têm sentido maravilhoso para a beleza da refeição. Lugar por excelência do cultivo da amizade.
A experiência do sábio insiste na importância do discernimento entre o verdadeiro e falso amigo. Os critérios vão desde o temor de Deus até a prova do tempo e da fidelidade no dia da aflição. As horas de folguedo e as situações de muita felicidade e riqueza atraem enxame de amigos falsos e aproveitadores.
Essa sabedoria tão antiga vê-se confirmada até nossos dias. O salmista de ontem e tantos venturosos de hoje podem exclamar: “Aquele que partilhava de meu pão, levantou o calcanhar contra mim” (Sl 41,10).
O mundo pagão preocupou-se com a amizade. Cícero escreveu uma pérola de livro sobre ela nas pegadas do filósofo grego Teofrasto (séc.4/3 aC). Para ele, a alma de toda amizade significa ter tudo em comum, tanto na vida pública, como particular, no exército como na casa; implica estar tudo em mais perfeita harmonia entre os amigos: Desejos, gostos, ideias. Ela é, portanto, o acordo perfeito de todas as coisas divinas e humanas com benevolência e afeição, diz Cícero. Deve-se antepor a amizade a todas as coisas humanas: nada soa tão conforme à nossa natureza humana, nada mais útil na prosperidade como na adversidade.
Nascemos para a amizade. Ela excede aos laços de sangue. Ela não existe sem benevolência. Cícero via nela, exceto a sabedoria, a melhor coisa que os deuses imortais tenham dado aos homens. Ele continua perguntando ao leitor que há de mais doce do que ter alguém com quem ouses falar como falarias a ti mesmo? Para que serviriam tão grandes frutos na felicidade se não tivesses com quem partilhar o gozo que eles dão? Existe um homem para quem viver seja realmente viver, se não conhece a felicidade de amar e ser amado? E torna-se difícil, prossegue Cícero, suportar a adversidade sem aquele que a sente mais vivamente do que tu. Numa palavra, a amizade faz as coisas prósperas mais esplêndidas, e as adversas, partilhando e comunicando, torna-as mais suportáveis.
Se entrarmos na tradição cristã, a amizade adquire ainda maior esplendor. O modelo da amizade se encontra no amor que Jesus nos teve, as amizades que ele cultivou com os apóstolos, com a família de Betânia, com Madalena e com tantas outras pessoas. Amizade de entrega, de cuidado, de solicitude, de presença, de estímulo, mas também de correção, de reprimenda amorosa e para o bem. A força da amizade de Jesus mostrou-se tão forte que o velho João, ao escrever o evangelho no declinar de sua vida, ainda se lembrava da hora - 4 horas da tarde - em que se encontrara com Jesus e fora ver onde ele morava e permanecera com ele naquele dia (Jo 1, 35-39). Tarde maravilhosa de amor, de amizade, de acolhida!
Inácio define o amor através de dois sinais: ele consiste mais em obras que em palavras e na mútua comunicação. Excelente definição da amizade. As palavras traduzem, sem dúvida, o que passa dentro de nós. Refletem desejos e planos. As obras, porém, verificam o amor, no sentido etimológico da palavra, de fazer verdadeiro (verum+facere). Até que as obras se realizem a palavra deixa, por assim dizer, o amor em suspenso. As obras o fazem descer para a realidade. E a mútua comunicação leva o amigo a participar de tudo o que se tem de bom, de valor, de riqueza.
No mundo da solidão e do isolamento, que as metrópoles estão construindo, a amizade vem como resposta e necessidade. A amizade traz o condimento da vida: “Mais vale um prato de legumes com amor do que boi gordo cevado de ódio” (Prov. 15,17).
João Batista Libânio é teólogo jesuíta