Há uma crise acontecendo nesta cidade, neste Estado e neste país. Falo da falta de mão-de-obra especializada e generalizada. Faltam pedreiros, encanadores e eletricistas, queixam-se os construtores e arquitetos. Faltam engenheiros, queixa-se o governo federal. E, queixo-me eu, faltam faxineiras, daquelas das boas, que botam a mão no balde, no espanador de pó e na vassoura e deixam a casa um brilho só. Infelizmente, eu não tenho tido sorte ultimamente com diaristas para faxinar a casa. Não é que eu seja muito exigente. Aliás, lembro sempre da fala de um tio meu: “melhor aturar uma que limpe mais ou menos, do que ser a gente a ter que limpar”.
Tive uma que limpava feito uma máquina, adorava lavar tudo com mangueira e gastava litros da preciosa água, dava uma aflição de ver o desperdício. De uma feita, largou o esguicho aberto por dois dias, ou mais, não sei ao certo porque eu estava fora. Quando voltei, a grama estava encharcada e a conta passou dos R$ 300,00! Mas ela limpava tão bem, que dava até gosto, e assim fui aguentando. Acabei dispensando-a, pois quebrava muito as coisas e, pior, escondia ou negava ter sido ela, na maior cara-de-pau, quando somente estávamos nós duas em casa. Depois que passou a bronca, ficou até cômico.
De outra feita, veio uma que era bem tranqüila, limpava mais ou menos, mas não me dava maiores preocupações, era atenciosa e prestativa. Ficou quase um ano, e saiu para trabalhar como empregada doméstica, para sorte dela e azar meu. Veio outra que era silenciosa, mas trouxe um vício preguiçoso e econômico de quando trabalhava em hotel, parece. Nada de água, sabão, alvejante ou limpadores desengordurantes. Era tudo na base do paninho com álcool. A casa foi ficando encardida, para meu desgosto e desespero.
Uma delas até limpava muito bem, mas era muito convencida de si. Uma gabola. Adorava se jactar, dizia que ela era a boa, saia atrás de mim pela casa para mostrar os panos empoeirados, a dizer que as outras não limpavam como se devia e blá-blá-blá. Gostava também de determinar ela mesma o dia em que deveria ir trabalhar, agendava um dia, não aparecia nem avisava, deixava o celular desligado e, no dia seguinte, aparecia como quem nada devia, achando a sua atitude até muito natural. Não era digna de confiança, tal como comprovei quando na véspera de eu receber visitas em casa, ela simplesmente me deu o cano, não ligou nem se dignou a mandar recado.
Teve uma que chegava e já ia logo perguntando se o café estava pronto, pois estava “louca de vontade de tomar café e dar uma pitada no cigarro”. Não aceitava açúcar mascavo, queria do refinado. Pedia pão molinho, pois o pão francês machucava suas gengivas. Vira e mexe eu a encontrava pelos cantos, pitando seu cigarrinho e fuxicando com a nora e amigas no celular. Eu cobrava a limpeza nos armários ou nos lustres e ela retrucava que tinha tempo, e prometia que aos poucos iria colocar tudo em ordem. Esse tempo nunca chegou, com ela. Às vezes, parecia até que eu era a empregada e ela a patroa, de tão folgada ela se fazia.
A última que arrumei veio do sítio, e não deu conta do serviço caseiro. Quase chorei quando ela me apareceu com o balde cheio de água suja perguntando o que deveria fazer com ele. Perguntou-me também se era para limpar atrás dos móveis. E avisava que não limpara a estante porque não alcançava no alto. Cobram caro, as espertas. Têm hora para chegar e hora para sair, esteja ou não tudo em ordem e limpo. Há umas que têm a cara de pau de deixar os panos de chão de molho no tanque, para a gente lavar depois! Quebram coisas de valor e não se dão por achadas, argumentam que “não foi por querer”; e era só o que me faltava, que assim o fosse. E não trabalham aos sábados, imagine, é dia de pescar, ir para o sítio, essas coisas boas de quem está com a vida ganha e não precisa ralar como eu tive que fazer durante anos e anos, até atingir esse padrão de vida. Que progresso, que fartura em que todos vivemos hoje em dia, não é mesmo? E que paradoxo: posso pagar e não encontro trabalhador doméstico.
Converso com amigas e conhecidas e todas estão enfrentando o mesmo problema. Não encontram empregada diarista. Converso com alguns arquitetos e construtores e eles se queixam de que não encontram trabalhadores para as obras. Onde será que eles foram parar? Estarão aposentados? Foram todos trabalhar em Brasília, e viraram deputados e senadores? Estarão todos empregados e com carteira assinada, talvez? Ficaram todos ricos e se transformaram em empresários de sucesso? Ou, mais provavelmente, com tantos auxílios governamentais e paternalistas, a concessão de seguro-desemprego, bolsa isso e bolsa aquilo, estarão por ventura levando a vida na flauta, pescando e flanando por aí? Vá lá saber. Enquanto isso, eu tenho que me virar e cuidar pessoalmente dos serviços domésticos. Ô vida difícil!
Norma Moura é advogada - nmoura9@hotmail.com