Certa vez, em entrevista na TV, a mãe de um atleta olímpico disse estar transbordante de orgulho do filho que havia conquistado uma medalha. Fiquei pensando com meus botões: ‘se não fosse por isso, ela estaria envergonhada dele?’. Encaro o orgulho com certa reserva, pois é um sentimento ambíguo; pode consistir na soberba, inimiga da humildade, o que dispensa comentários, ou na satisfação por alguma realização, o que faz supor um amor condicionado. A vergonha e o orgulho em geral têm a mesma origem: a comparação. O orgulho de um filho porque ele se destaca em alguma coisa tem um quê de egoístico, passa impressão de que os pais usam o feito dele para o próprio garbo, de não admitir que fosse de outro modo. Com efeito, para orgulhar os pais, não é raro filhos fazerem alguma coisa a contragosto, notadamente quando ainda estão sob a dependência e/ou autoridade paterna. Ver os pais orgulhosos da filha que se casa com um bom rapaz leva à indagação: e se ela fosse homossexual ou, por outro motivo qualquer, não pensasse em casamento? À mãe orgulhosa da filha linda pergunta-se: e se fosse feia? É muito fácil marcar presença ao lado dos filhos quando eles são motivo de júbilo, estão por cima. Quero ver em situação diversa.
Suponha uma estátua ou outra obra de arte que, antes de terminada, ganha vida, passa a agir sozinha e molda a si mesma de forma diferente da imaginada pelo artista. Assim são os filhos. Para os pais, esperar total convergência entre a sua vontade e a dos filhos é pedir para decepcionar-se. Filhos vêm ao mundo através dos pais, mas vão viver para realizar seus próprios sonhos, não os dos pais. Eles têm sua individualidade, seus objetivos e desejos; a vontade, a satisfação que conta é a deles, pois não são mera extensão dos pais. Eles nem sempre correspondem às expectativas, mas não deixam de ser filhos; não são objeto para orgulho, tampouco para vergonha. Não podem ser como um projeto que se leva adiante se dá certo e que se abandona se não sai tudo como desejado. Filhos são pra gente gostar; amá-los, aceitá-los do jeito que são, fica muito mais fácil se os pais têm consciência disso. Gostar de verdade é gostar sem por quê. A benquerença incondicionada revela-se no ‘gosto de você pela simples razão de você existir’, na amizade. O amor de verdade vem à tona nos momentos difíceis, quando parece que o mundo vai desabar. Amar é sofrer junto, suportar uma dor interna como se o coração estivesse envolto e amarrado com arame farpado. Quando o filho revela fraqueza, sente-se infeliz, frustra-se por algum motivo, é então que a gente olha para ele e descobre o quanto o ama, acha-se capaz de enfrentar o mundo inteiro, de descer ao fundo do poço, para ajudá-lo a reerguer-se. Gostar é isso: ficar feliz com a felicidade do outro, mas também estar do lado na tristeza para dar apoio e conforto.
Amar os filhos não significa aprovar tudo que fazem. Ama-se a pessoa, não seus atos. Os pais não podem avalizar crimes praticados pelos filhos, mas também não devem dar-lhes as costas. O apoio familiar à pessoa envolvida na criminalidade é essencial, é a força de que ela necessita, não para praticar outros crimes e sim para ressocializar-se e levar uma vida honesta e digna. Muitos pais não gostam dos filhos porque desaprovam o que estes são. É o caso dos homossexuais. Porém, ninguém escolhe ser homossexual, assim como não tem poder de decidir se vai nascer homem ou mulher, feio ou bonito, etc., e então não é questão de aprovação ou desaprovação, mas sim de aceitação. A pessoa não é menos gente por ser desta ou daquela condição natural. O homossexual sofre enquanto não vence a resistência íntima, a dificuldade para lidar consigo mesmo e para aceitar-se. Sem respeito próprio não há respeito alheio. Em tal situação, precisa é de apoio e não de abandono. Saber aceitar-se é consequência de ser intimamente bem resolvido e seguro de si. Para chegar a tal estágio, o apoio dos pais é imprescindível. Se vem preconceito de quem deve dar afeto, tudo se complica. A intolerância, a incapacidade de aceitar e respeitar o outro nada mais é do que uma revelação da própria fraqueza, de não conseguir aceitar a si mesmo. Em suma: não há motivo nem para orgulho nem para vergonha; tira os dois e coloca amor, e está resolvido.
Paulo Pereira da Costa, promotor de Justiça e autor do livro “Pensando na Vida” paulopereiracosta@uol.com.br