Uma grande polêmica vem sendo levantada nos tribunais estaduais e chegou à apreciação do plenário do Supremo Tribunal Federal: o Poder Público e o Judiciário podem e devem proibir as chamadas Marchas da Maconha? Essa proibição afrontaria o direito da liberdade de expressão?
No entendimento de muitas cortes estaduais, inclusive do Tribunal de Justiça de São Paulo, esse tipo de manifestação instiga práticas delitivas, induzindo ao uso de substância entorpecente, no caso a maconha, proibida no Brasil. Entenderam os magistrados que decidiram naqueles feitos que não se trata de uma simples manifestação pública para debater ideias, mas são capazes de gerar um dano social.
Ao assegurar a todos os cidadãos a proteção constitucional da liberdade de expressão, o ordenamento jurídico veda restrições a pensamentos, ideias e opiniões, contribuindo dessa forma para consolidar nossa democracia pluralista. No entanto, cabe ao Judiciário se debruçar sobre os casos concretos em que há uma colisão entre o exercício da liberdade de expressão e demais direitos fundamentais.
A sociedade brasileira tem manifestado preocupação com o problema do tráfico de drogas, da violência e do envolvimento dos jovens com o narcotráfico, desde a pré-adolescência, consumindo principalmente maconha, crack, oxy e outras substâncias entorpecentes. Inicialmente no papel de usuários e, posteriormente, agindo como pequenos traficantes a sustentar trágicas estatísticas.
Estudo da Secretária de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça, em parceria com a Universidade de Brasília e Universidade Federal do Rio de Janeiro, apontou que o tráfico de drogas representa o segundo maior delito nas condenações dos tribunais brasileiros, só sendo superado pelo roubo qualificado.
Certamente, o sistema constitucional ao garantir a liberdade de expressão não estabelece esse direito como absoluto, fixando limites e responsabilidade com base nos valores defendidos pela sociedade, também previstos na Carta Magna. Se perguntássemos a qualquer cidadão se a Marcha da Maconha viola bens constitucionais igualmente protegidos, creio que a resposta seja afirmativa.
Assim sendo, a restrição ao direito da liberdade de expressão no caso da Marcha da Maconha pode ser entendido e analisado pelo princípio da proporcionalidade no Direito, ou seja, do poder-dever do Poder Público em estabelecer princípios e valores no sentido de harmonizar diferentes interesses em torno de uma solução que contemple a norma jurídica.
Diante de circunstâncias concretas e do confronto de princípios, onde temos de um lado o direito à liberdade de expressão versus o suposto ilícito do incitamento ao uso de drogas, é fundamental que o Poder Público saiba sopesar racionalmente sua decisão, assegurando a proteção dos direitos e garantias individuais e coletivos.
Da mesma forma que entendemos inadmissível – mesmo na sociedade democrática - que os intolerantes de todos os matizes exponham seus discursos de ódio; consideramos que as decisões judiciais pela suspensão de Marchas da Maconha buscam evitar um mal maior à sociedade. Se fosse o contrário, a Justiça estaria garantindo o direito de expressão de um grupo, mas ao mesmo tempo correndo o risco de incitar a prática de um crime e negar valores sociais. Enfim, um dilema importante que a sociedade terá de enfrentar.
Luiz Flávio Borges D’Urso, advogado criminalista, mestre e doutor em Direito Penal pela USP, professor Honoris Causa da FMU, é presidente da OAB SP