Historicamente, a indústria do tabaco sempre interferiu no bom senso em relação à saúde coletiva e continua a atuar para impedir que políticas públicas avancem. Para citar alguns exemplos, no passado, a indústria pesquisou como aumentar a capacidade do fumo para causar maior dependência com o objetivo de fidelizar a sua clientela. Interferiu também para impedir que o Brasil ratificasse a Convenção Quadro para o Controle do Tabaco, tratado celebrado entre 192 países membros com a finalidade de preservar a saúde do cidadão e das gerações presentes e futuras, com medidas para a diminuição do impacto sanitário, social, ambiental e econômico gerado pela produção, consumo e exposição à fumaça do tabaco.
A indústria do tabaco, por meio de lobby, sempre pressionou na esfera política, muitas das vezes por meio de sindicatos, associações e de fumicultores, estes usados como massa de manobra, para que não haja controle governamental sobre o seu produto e as suas ações. Atualmente, investe de forma muito intensa contrariamente a duas consultas públicas propostas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), inclusive questionando a sua legitimidade em relação ao seu poder fiscalizador na produção, distribuição e propaganda do tabaco.
Vale esclarecer, de imediato, que a Anvisa é o órgão responsável pela regulação, controle e fiscalização de cigarros, cigarrilhas, charutos e qualquer outro produto fumígero, derivado ou não do tabaco, nos exatos termos da lei 9.782/99, o que dispensa comentários acerca do questionamento de sua legitimidade.
Nessa linha, a Anvisa abriu a Consulta Pública 112, que visa à proibição da adição de substâncias aromatizantes e flavorizantes nos produtos derivados do tabaco, como chocolate, baunilha, cravo e menta, que mascaram o paladar atraindo e iludindo o consumidor, principalmente crianças e adolescentes, público alvo da indústria do tabaco. Foi aberta, também, a Consulta Pública 117, que visa aumentar os espaços para advertências nos maços e materiais de propaganda dos produtos fumígenos, e proíbe a exposição de maços de cigarros nos pontos de venda. Estes são geralmente luminosos e coloridos, com forte apelo aos jovens, colocados bem à vista deste público, em locais de passagem obrigatória e ao lado de produtos como chicletes, chocolates e balas, nos caixas de supermercado, padarias e mercearias, como exemplo.
A indústria do tabaco e seus aliados, por sua vez, estão fazendo uma pressão contrária enorme em diferentes esferas, alegando que estas consultas públicas vão: I) aumentar o mercado ilegal, quando não há fundamento para isso. As consultas públicas versam sobre medidas de saúde pública, enquanto o contrabando é uma questão de polícia; II) prejudicar a informação sobre o produto. Ora, não é possível se conceber que aqueles logos coloridos e embalagens modernas trazem informação para o consumidor escolher; III) prejudicar os fumicultores, o que também não é verdade, pois somente 13% da produção do tabaco ficam no país, além do fato de que a fumicultura não traz riqueza aos fumicultores. É opinião corrente nos meios independentes e de real defesa dos agricultores que o governo deve estimular a diversificação da cultura, para que se plantem alimentos ao invés de tabaco.
A menor reflexão sobre o assunto revela quão inconsistentes são os argumentos utilizados para justificar que não haja medidas regulatórias relativas a um produto que mata a metade dos seus consumidores regulares.
A Anvisa deve, sim, exercer todo o poder que a lei lhe confere para o controle sobre a produção e comercialização do fumo, apresentado nas mais diversas formas, pois é uma das razões da sua existência.
Jonatas Reichert - Presidente da Associação Paranaense Contra o Fumo (APCF). Membro Titular da Comissão de Tabagismo da Associação Médica Brasileira – SP
Adriana Carvalho - Advogada da Aliança de Controle do Tabagismo*