Olá! Eu sou a Júlia. Nasci numa cidade interiorana e até hoje não consegui me mudar dela. A cidade não é lá grande coisa, mas tem muita gente que se julga importante, entendida, tentando mostrar a todos seus conterrâneos que é gente de primeiro mundo, gente grã-fina como se diz no linguajar da simplicidade. Já sou vovó e na verdade, eu e a minha história somos pura invenção do articulista. Ele me pede que eu conte a minha experiência feminina de vida, principalmente naquilo que fiz ou que me deixaram fazer sem que se medissem as consequências. Foi muito bom ser criança, mas nem tanto a que fui. Quem me dera poder voltar a minha infância para que tudo pudesse ser diferente. Logo que comecei a dar meus primeiros passos, minha mãe, que eu sempre acompanhava a um local que eles chamavam de instituto de beleza, pedia a uma das funcionárias desocupadas que me pintasse as unhas. Eu não entendia muito aquilo, mas como todos achavam uma graça e eu não tinha consciência do desnecessário, fui me acostumando. Tanto que depois, pelas poucas vezes que isso aconteceu andei cobrando minha mãe para que voltássemos ao tal instituto. A partir daí, o foco principal da visita já não era mais o cabelo da minha mãe, isso se tornou menos importante. Agora, minha mãe ia ao salão comigo e não mais eu ia com ela. O cabelo dela era penteado, tingido, cortado, etc., em função da minha necessidade de pintar as unhas. Pouco tempo depois me via com umas roupas estranhas. Curtas, decotadas, que só gente grande fazia uso quando apareciam em bailes ou movimentos de sociedade. Num primeiro momento eu sentia frio por meu corpinho não estar totalmente encoberto, mas minha mãe dizia que aquilo era chique e que só gente importante como nós é que tinha o direito de usar. Acostumei também com essa situação. Quando cheguei aos sete anos me colocaram numa escola. Nossa! Dezenas de coleguinhas eu arrumei nesse período. Interessante que todas pareciam que viviam o mesmo drama que eu. Cheguei a pensar que todas as mães fossem iguais com suas filhas, mas eu acho que não porque eu tinha uma coleguinha diferente no seu comportamento. Tive até pena dela porque outras colegas a chamavam de estranha. Vestia-se bem, mas jamais deixava de ser criança. Entre nós havia uma disputa de roupas, de pinturas no rosto, até de material escolar. Isso me indignava, mas era assim que minha mãe queria. Não se dava importância alguma para os conteúdos escolares, até parecia que a competição era no nível da moda. Quando passei para a terceira série eu tinha nove anos de idade e uma vontade doida de brincar. Não me deixavam ser criança e nem viver a pureza da infância. Que coisa terrível. Ah!!! Eu ia me esquecendo de contar. Hoje tenho pernas musculosas, tortas e cheias de varizes. Meus dedos dos pés são deformados em função de meu peso apoiar-se neles pelo uso inadequado de calçados. Tenho usado muito calça comprida e sapato fechado porque sinto vergonha de mostrar minhas pernas e meus pés. Sabe o que foi isso? Aos nove anos minha mãe me deu de presente e me obrigou a usar um sapato de salto. Eu nem conseguia andar sobre aquilo, mas ela dizia que era chique, acabei me acostumando a equilibrar sobre aquele desconforto. Um belo dia aos treze anos precisei dar uma triste notícia. Eu estava grávida. Pudera! Fizeram-me adulto antes mesmo que eu tivesse maturidade para exercer essa fase da minha vida. Tão cedo me arrumaram um namoradinho, filho de gente importante e me disseram que eu deveria me portar como gente grande. Isso era muito social. Parece que minha mãe sentia prazer de comentar com suas amigas que eu já era moça. Acabou acontecendo o inevitável. Aos 14 anos tive que amamentar uma criança pouco diferente de mim. Hoje eu gostaria de pedir a Deus para nascer de novo e pedir a minha mãe que revisasse seus conceitos e me deixasse ser a menina que eu devia ter sido.
Professor MSc. Manuel Ruiz Filho - manuel-ruiz@uol.com.br