As revoltas no mundo Árabe, de um ponto de vista jurídico, são muito mais complexas do que os relacionamentos virtuais, pois envolvem o Tribunal Penal Internacional, a Organização das Nações Unidas (ONU) e seu Conselho de Segurança e mais a Declaração de Direitos Humanos.
De modo resumido, o Tribunal Penal Internacional, também conhecido como Corte Penal Internacional, criado em 1998 pelo Estatuto de Roma, teve a assinatura de 120 estados, mas ratificado em 2004 apenas por 94 países. Nações importantes como Estados Unidos, Rússia e China deixaram de confirmar o Estatuto.
O caso mais curioso foi dos EUA. Primeiramente, o Estatuto de Roma foi assinado pelo Presidente Bill Clinton e depois desconsiderado pelo Presidente George W. Bush. Este último começou a fazer tratados paralelos com outras nações, vedando a entrega de cidadãos norte-americanos para o TPI, com o fundamento de que a Corte Internacional fere a soberania dos Estados.
Entretanto, o Tribunal Penal Internacional define em seu Estatuto que é o indivíduo quem será julgado por crimes cometidos contra a humanidade, e não o Estado. No artigo primeiro diz: “O Tribunal será uma instituição permanente, estará facultada a exercer sua jurisdição sobre indivíduos com relação aos crimes mais graves de transcendência internacional, em conformidade com o presente Estatuto, e terá caráter complementar às jurisdições penais nacionais.”
O Brasil aderiu ao tratado e foi além. Com a Emenda Constitucional número 45 de 2004, ficou expresso na Constituição Federal, em seu artigo quinto, parágrafo quarto, que “o Brasil se submete à jurisdição do Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”.
Passando agora para o Conselho de Segurança da ONU, vale salientar que o CS é o órgão que toma decisões para promover a paz e a segurança internacional. Possui cinco membros permanentes: China, França, Reino Unido, Rússia e os Estados Unidos e dez membros eleitos (entre eles o Brasil) com mandato de dois anos. No dia 26 de fevereiro, esse conselho votou por sanções contra o regime de Kadafi e aprovou por unanimidade (15 votos a 0) uma resolução para a Corte Penal Internacional, em Haia, na Holanda, onde fica sua sede, julgar o ditador líbio e os integrantes de seu governo por crimes contra a humanidade. Depois de julgar, o conselho também aprovou por bloquear os bens de Kadafi.
No âmbito do direito internacional público, temos também a Declaração dos Direitos Humanos, adotada e proclamada em 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas. No seu preâmbulo traz os seguintes dizeres: “Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a desenvolver, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades;
considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso”.
Adentramos agora na soberania do Estado. Se um determinado Estado não assinou o Estatuto de Roma, ele é sujeito à jurisdição do TPI? O Estado, independentemente do seu modo de governo, democrático, monárquico ou ditatorial, tem a sua soberania perante os outros Estados e, para que haja o julgamento sobre o individuo de um país que não assinou o tratado, há apenas uma forma: a entrega do cidadão para o seu julgamento perante o TPI. A pena da Corte Internacional seria complementar a do Estado de origem, lembrando que a competência do TPI é apenas para os crimes de genocídio contra a humanidade, de guerra, e agressões, conforme artigo quinto do estatuto.
A soberania de um país não pode ser ferida. Todavia, quando o líder do governo passa dos limites e começa a atacar seu próprio povo, é impossível pedir para as outras nações apenas assistirem pela internet. Neste momento, e somente deste modo, a soberania fica em segundo plano e a humanidade tem que admitir que somos todos iguais, mas diferentes - princípio da isonomia - uma vez cometidas ações armadas do governo contra seu povo, a intervenção é inevitável e o crime contra a humanidade fica aos olhos do mundo inteiro.
Por fim, temos a luta pela democracia. Escolher os governantes não é sinônimo de direitos e garantias fundamentais, ainda mais se os direitos da sociedade são limitados por outras fontes, como a religião no mundo islâmico. O que nós consideramos injusto, perverso, pode ser considerado um ato “normal” devido aos costumes daquelas sociedades.
Quanto a Mubarak e Kadafi, ficam as perguntas: eles cometeram crimes contra a humanidade? O TPI tem jurisdição para julgá-los, uma vez que os seus Estados não assinaram o estatuto de Roma; e quem são os rebeldes da Líbia? Será que os civis realmente estão contra Kadafi? Cabe ao leitor formar a sua própria opinião a respeito de um futuro julgamento dos ditadores e se querem saber a minha... façam o favor de contratarem logo bons advogados, mas dificilmente ocorrerão tais julgamentos.
Renan Gratão é estudante de Direito - renangratao@hotmail.com