Uma das questões políticas mais importantes das próximas semanas provavelmente será o desfecho da “queda de braço” entre a Câmara dos Deputados e o Supremo Tribunal Federal sobre a regra em vigor no país para a substituição dos deputados federais pelos seus suplentes. A Câmara historicamente tem empossado os suplentes imediatos das coligações pelas quais os deputados foram eleitos, independentemente de sua filiação partidária. Já os ministros do STF majoritariamente entendem que os suplentes devam necessariamente pertencer aos mesmos partidos dos deputados que estejam saindo de exercício.
O tema ainda não ganhou as manchetes dos jornais. Mas, como sempre, o Congresso em Foco saiu na frente e já indicou o tamanho do problema. Dos 46 suplentes que já entraram em exercício na atual legislatura, apenas 24 teriam esse direito garantido caso a regra de suplência fosse alterada de acordo com as preferências do STF. Nesse ritmo, a mudança legal pode alterar a identidade de mais de 100 suplentes até o final de 2014. Portanto, não se trata de uma questão trivial.
Além disso, vale observar que, caso prevaleça a atual interpretação do TSE, a mesma nova regra de suplência teria que ser adotada pelas Assembleias Legislativas dos 27 estados da federação e também pelas Câmaras de Vereadores de cerca de 5.600 municípios brasileiros. Até hoje, todas essas casas legislativas têm utilizado a regra consagrada pela Câmara dos Deputados. Salvo engano, é o que determina explicitamente a própria legislação eleitoral.
A menos que os ministros do STF mudem de ideia, o cenário mais provável é que o Judiciário prevaleça sobre o Legislativo. A única possibilidade de que o Legislativo prevaleça seria a aprovação de uma PEC no Congresso que conferisse “status” constitucional à tradicional regra de suplência baseada nas coligações. Algo similar já aconteceu anos atrás quando apenas a aprovação de uma PEC impediu o Judiciário de continuar legislando sobre a chamada verticalização das coligações eleitorais.
Não tenho condições de argumentar em termos jurídicos a favor de uma ou de outra interpretação. E, pessoalmente, devo dizer que sempre fui um crítico da possibilidade de os partidos políticos realizarem coligações nas eleições proporcionais.Mas quero crer que está faltando elementar bom senso ao STF nessa questão. Os ministros do Supremo parecem querer reinventar a roda.
Se, para todos os efeitos práticos, as coligações funcionam como partidos nas eleições para deputados federais, deputados estaduais e vereadores, nada mais justo que continue sendo assim sempre que houver necessidade de substituir um titular por um suplente. Em outras palavras, trata-se de democraticamente respeitar o voto do eleitor. Se o nosso voto foi bom o bastante para determinar quantos e quais parlamentares foram eleitos por cada partido ou coligação, por que ele não seria também bom o bastante para servir de critério de desempate no momento pós-eleitoral?
Além da questão normativa, há ainda importantes implicações empíricas. Levantamentos independentes mostram haver pelo menos 29 deputados federais que não possuem suplentes de seus próprios partidos - apenas de suas coligações. O que fazer nesses casos? Realizar desnecessárias e custosas eleições suplementares? É óbvio que, se os partidos soubessem já na data da eleição que os suplentes deveriam necessariamente pertencer às mesmas siglas dos titulares, eles jamais deixariam de lançar candidatos em número suficiente para preencher as eventuais suplências.
Toda essa bizantina discussão beira as raias do absurdo. E mostra como é grave alterar as regras do jogo depois que o jogo já foi iniciado. Mas, nos anos recentes, infelizmente passamos a seguir a filosofia do “por que simplificar, se podemos complicar”. Durma-se com um barulho desses.
Rogério Schmitt - Consultor político e doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj).