Eu tive que admitir que um dia eu não fizesse mais parte deste mundo, porque a imortalidade não seria a minha condição de existência, do contrário, a mortalidade será minha predominância. Eu sabia que o meu corpo envelheceria e em dado momento não teria mais razão de existir. Eu tive que admitir que me tivessem colocado neste mundo para que cumprisse uma singela missão, principalmente a de tentar melhorá-lo deixando rastros positivos e depois partir sem nenhuma sensação de não ter cumprido minhas propostas. Eu tive que admitir que meus pais não fossem eternos como não foi eterna a permanência dos meus filhos junto de mim pelo tempo que eu esperava. Escolheram seus caminhos em busca de seus sonhos deixando vazio um espaço que até hoje não consegui preencher. Os sonhos continuaram comigo, mas vez por outra pequenos pesadelos me fazem acordar e em prantos recordar o passado sem eles. Na verdade eu tive que admitir que eles não fossem meus como eu supunha. A liberdade de idas e vindas também se constitui em direito deles. Eu tive que admitir, assim como admitiu Alexandre - O Grande, que todos os meus bens me foram confiados por empréstimos, que verdadeiramente não eram meus. Admiti também que todos meus pertences, assim que eu partisse, ficariam em poder de outras pessoas para que deles fizessem uso da mesma forma que fiz. Eu tive que admitir que o policiamento que eu fazia por volta de minha casa não me proporcionava nenhuma garantia que esse pedaço de chão fosse exclusivamente meu. Isso era nada mais nada menos que uma ilusão de posse. Eu tive que admitir que minhas plantas fossem ilusoriamente minhas, nascendo, existindo e morrendo, assim como vai acontecer comigo um dia. Eu tive que admitir as minhas imperfeições e que minhas tentativas de acertos nem sempre seriam vencedoras. Eu tive que admitir que a existência das pessoas fosse coisa singularmente efêmera, que o mundo aplaudiria quando elas chegassem, mas nem se daria conta quando fossem embora. Rapidamente tudo se esquece. Admiti para sempre que é melhor aceitar. Quando aceitamos abandonamos de vez qualquer sofrimento. Tive de admitir que eu precisasse colocar do lado de fora da alma toda e qualquer prepotência, todo resquício de arrogância que eu pudesse ter. Tive que admitir que eu tivesse de ser como a natureza tem sido com todos: sábia e exigente. Trata-nos de forma igualitária, sem preferências e sem parcialidades exigindo um respeito inconfundível. Somos todos iguais perante ela, não temos nome e nem cargos. Nem raças nós temos diferentes. Admiti que ficassem sepultadas todas as minhas ansiedades, assim como deve permanecer sepultadas a vaidade e a luxúria de quem as possui. Admiti, enfim, que de nada adiantaria eu estar na frente ou atrás dessa fila indiana em busca da paz. Esopo, fabulista grego do século VI a.C, deixou gravado na história que: “um pedaço de pão comido em paz é melhor do que um banquete comido com ansiedade”.
Professor MSc. Manuel Ruiz Filho - manuel-ruiz@uol.com.br - Votuporanga