A visão otimista da década de 60 e 70, com a possibilidade de controle ou mesmo eliminação da maioria das doenças infecciosas nos países desenvolvidos, mudou nos anos 80 e 90, especialmente com a emergência da Aids, que se disseminou no mundo em uma década.
Alguns fatores estão relacionados à emergência de doenças, como crescimento populacional, facilidade de deslocamentos, construção de barragens, mudanças climáticas, tráfico de animais, guerras, uso abusivo de antibióticos e bioterrorismo.
A vigilância epidemiológica é um trabalho silencioso, por vezes imperceptível à maioria dos cidadãos, mas fundamental prevenir, proteger, controlar e dar uma resposta de saúde pública, inclusive à propagação internacional de agravos, evitando interferências desnecessárias em relação a circulação de pessoas e ao comércio.
No Brasil, o SUS (Sistema Único de Saúde) é comumente identificado ao atendimento prestado nos hospitais, ambulatórios e farmácias públicas. A percepção das pessoas geralmente se limita apenas a assistência: consultas, exames, cirurgias, internações, atendimento de emergência nos prontos-socorros.
Entretanto, um grupo formado por centenas de profissionais de saúde em todo o país, embora não participe de forma direta no atendimento de pacientes nos serviços de saúde, atua para evitar que haja transmissão de doenças infecciosas, inclusive surtos e epidemias, ou mesmo para que haja expressiva redução na morbidade e mortalidade dos agravos à saúde.
As fichas de atendimento em hospitais e ambulatórios, os locais percorridos pelos pacientes, residência, trabalho, as instalações onde ficou hospedado, os alimentos que ingeriu, as viagens que realizou, as pessoas com quem teve contato e os detalhes sobre sinais e sintomas, exames laboratoriais são algumas peças do quebra-cabeça para uma investigação epidemiológica.
Uma das mais recentes provas de fogo, nessa área, foi a pandemia de influenza A H1N1, que somente no Estado de São Paulo atingiu, em 2009, aproximadamente 11 mil casos confirmados, dos quais 559 morreram.
A análise epidemiológica dos casos e óbitos, bem como a trajetória de disseminação do vírus, foi fundamental para a adoção de inúmeras medidas, como o fluxo do atendimento em hospitais, a administração do medicamento Oseltamivir aos doentes e a indicação dos grupos prioritários para a vacina que foi disponibilizada este ano em todo o Brasil.
Em São Paulo este trabalho vem sendo coordenado há 25 anos pelo Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE). Os profissionais de saúde são divididos em 28 grupos regionais de vigilância, que apóiam as vigilâncias epidemiológicas municipais, na investigação de 350 mil agravos por ano, de doenças de notificação compulsória, tais como: dengue, febre amarela, febre maculosa, infecções hospitalares, meningites, hantavirose, tuberculose, hanseníase, botulismo, entre outros.
Além dos agravos transmissíveis, o CVE coordena ações de promoção à saúde, monitoramento de agravos não transmissíveis e doenças ocasionadas meio ambiente.
O CVE paulista teve atuação importante em inúmeras oportunidades, como na campanha contra o sarampo em 1997, a introdução da vacina contra a gripe para os idosos em 1999, a investigação de casos suspeitos de Sars (Síndrome Respiratória Aguda Severa) em 2003 e a campanha de imunização de 13 milhões de pessoas contra a rubéola em 2008.
Se hoje São Paulo mantém sob controle doenças como difteria, sarampo, rubéola, raiva humana e tétano neonatal, entre outras, isto é fruto do trabalho “invisível” que o SUS realiza, no Brasil e em São Paulo, para evitar a disseminação de agravos à saúde pública.
Ana Freitas Ribeiro, médica sanitarista e mestre em saúde pública, é diretora do Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo