Nem findou o processo eleitoral e uma certeza de muitos virou notícia, primeiro pela boca de uns tantos governadores, depois escancarada defesa do Presidente Lula: a CPMF caminha, a passos largos, na direção de reposicionar-se no sistema tributário brasileiro. No entanto, será um reposicionamento metamorfoseado, de provisória para permanente.
Cabe à sociedade brasileira, nestes tempos difíceis, abandonar a apatia que a tem caracterizado nos últimos anos e avaliar a origem, as razões que levam o governo Lula a desferir um novo golpe contra o contribuinte.
Uma primeira avaliação necessária diz respeito ao conjunto das receitas públicas. Será que o governo vive uma crise em suas receitas? Não parece. A Carga Tributária Bruta do Brasil aumentou em 4% do PIB desde que o Real foi implantado, passando de menos que 30% do PIB para mais que 34% do PIB num espaço de 15 anos. Poucas experiências históricas mostram esse tipo de incremento em situações de normalidade democrática.
Bem, pode ser um problema de corte federativo: embora as receitas cresçam, pode ser que Estados e Municípios é que estejam promovendo esse processo, relegando a União a perder participação no bolo tributário. De novo não. É fácil constatar que apenas um ente federado foi responsável pela quase integralidade desse aumento de receitas. A União passou a arrecadar mais que 24% do PIB, frente aos 20% do PIB vigentes no início do Real. Isso representa mais que 70% da arrecadação global.
Invalidados os dois argumentos acima, outro poderia ser aventado: “embora o governo federal tenha recursos gerais, não há fonte de financiamento especificamente para a saúde”. Tal explicação, no entanto, não resiste a uma breve reflexão. Os meses que se seguiram ao fim da CPMF foram marcados pela elevação do IOF e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. Ao mesmo tempo, a forte expansão da arrecadação de PIS/COFINS, baseada numa ampliação das alíquotas efetivas quando da transformação destes tributos da base faturamento para a base valor adicionado, garantiu recursos necessários para o cumprimento da regra posta pela Emenda 29, qual seja, a alocação de recursos equivalentes ao empenhado no ano anterior, adicionada a variação nominal do PIB.
Percorridos e negados os motivos acima, poderíamos aventar que estivesse na raiz da proposta palaciana o cuidado com a eficiência do nosso sistema tributário. Novamente, não parece ser esse o caso. O sistema tributário brasileiro é periodicamente espancado pela volúpia arrecadatória com as piores invenções. A CPMF era um tributo cumulativo, ou seja, não se respeita o quanto se agregou de valor ao produto em sua cadeia de produção. Haverá tanto mais tributo embarcado no bem de consumo final quanto maior for o número de vezes que a cadeia de produção faz com que ele circule.
O problema é que economias sistemicamente eficientes são economias onde as unidades produtivas têm alto grau de especialização, o que leva o produto a passar por diversas transações em seu processo de produção. Como a CPMF agrega tributo pelo número de vezes que a mercadoria passa pelo sistema bancário, ela é intrinsecamente contrária à organização da produção de forma mais eficiente. Portanto, não haverá de ser pela via da eficiência do sistema tributário que a proposta de recriação da CPMF terá nascido.
Que a saúde precise de recursos expressivos é uma verdade irrefutável. Mas não podemos deixar de registrar a estranheza quanto ao forte crescimento do gasto municipal e estadual em saúde, nos últimos anos, enquanto o governo federal vem realizando uma queda acentuada em sua participação no gasto público em saúde. Mesmo ampliando sua receita global parece que o governo federal só aceita fazer o esforço que estados e municípios já fizeram, sem novos impostos, com a ampliação das vias de extração de recursos junto à sociedade. Ao mesmo tempo, nenhuma fala governamental lembrou-se de propor a reversão das majorações de tributos realizadas à época da extinção da CPMF.
A questão da nova CPMF não pode ser compreendida se confinada ao tributo para financiamento da saúde. Em verdade, o que a sociedade brasileira tem que colocar em pauta é a configuração de receitas e despesas do Estado brasileiro e sua eficiência do ponto de vista da arrecadação e da dinâmica da economia. Passamos 20 anos remendando um sistema e trazendo mais problemas que soluções. Fomos administrando um conflito federativo infindável, seja quanto ao poder de tributar, seja quanto às atribuições das diversas esferas de governo.
Não é hora de seguirmos remendando o nosso sistema tributário. O País precisa, sim, construir as instituições que nortearão seu desenvolvimento nas próximas décadas.
Vaz de Lima, PSDB, deputado estadual, é Líder do Governo na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, ex-presidente da Alesp, e deputado federal eleito