A palavra autonomia tem ganhado espaço no vocabulário cotidiano, mas frequentemente de forma distorcida. Em nome da liberdade, vemos práticas familiares que desresponsabilizam a criança, retiram os limites e esvaziam o sentido da autoridade amorosa. Pais dizem que seus filhos “não têm limites porque precisam ser livres”, enquanto escolas se veem acuadas diante de uma geração que confunde liberdade com poder absoluto. Mas essa autonomia é um processo construído. Não se trata de permitir que a criança “faça o que quiser”, mas de ajudá-lo a se tornar sujeito de sua própria história, capaz de tomar decisões conscientes e responsáveis. Isso requer diálogo, escuta, acolhimento, sim, mas também exige responsabilidade, disciplina e consciência crítica. Autonomia é fruto de relações dialógicas em que a criança e o adolescente se percebem autores de seus próprios caminhos e não meros reprodutores do que lhe impõem. Mas isso exige mediação, e não abandono. Exige formação, e não omissão. Na lógica contemporânea, muitos pais confundem afeto com permissão ilimitada, como se dizer “não” fosse um gesto de desamor. Com isso, vemos crianças e adolescentes que crescem sem frustrações, mas também sem ética, sem limites e sem noção de coletividade. Essa falsa ideia de autonomia produz jovens que não sabem lidar com a contrariedade, crianças que não suportam ouvir “não” e adultos que se tornam emocionalmente frágeis, incapazes de reconhecer o outro. A autonomia real não exclui os limites, ela nasce deles. O “não” educativo, o limite acolhedor, o tempo de espera, a escuta ativa, a responsabilidade pelas consequências dos atos, tudo isso educa para a liberdade. Porém, não nos equivoquemos achando que liberdade é “fazer o que quiser”, mas liberdade é saber por que faz, como faz, e quais impactos isso terá na vida do outro e no mundo. Um exemplo disso é o resultado de um estudo longitudinal que acompanhou 1037 crianças nascidas em Dunedin, Nova Zelândia, desde 1972-1973 até a idade adulta identificou que crianças que vivenciaram vínculos afetivos seguros, estabilidade emocional e cuidados responsivos nos primeiros anos de vida apresentaram menor prevalência de transtornos mentais (como depressão, ansiedade e abuso de substâncias), maior capacidade de autorregulação emocional e comportamental, melhor saúde física e maior estabilidade em relacionamentos adultos.
Ou seja, a qualidade da relação entre pais e filhos nos primeiros anos de vida é um dos maiores preditores da saúde mental e sucesso futuro dos filhos, mais do que renda, QI ou escolaridade. Portanto, educar para a autonomia exige respeito e afeto, mas também firmeza e escuta ativa, orientação e participação, mas também consequências. Pais não são espectadores. Eles são mediadores da experiência humana. E se realmente amam, precisam ser limites seguros, referências éticas e presenças firmes. Amor é guiar, mesmo quando dói. Dizer “não” também é um gesto de amor. Ensinar o tempo da espera também é educação. Impor limites saudáveis é um presente. Se quisermos educar sujeitos autônomos precisamos superar o discurso da liberdade sem limites. Precisamos recuperar o papel dos adultos como mediadores éticos, e não como meros facilitadores do prazer imediato. A verdadeira autonomia, aquela que transforma, não nasce do abandono, mas do cuidado consciente e comprometido.