Entre o final dos anos setenta e o começo dos anos noventa escrevi uma coluna de opinião na mídia impressa de Rio Preto, inicialmente diária, depois semanal. Atuava como repórter do dia a dia e ainda me sobrava tempo para colaborar com uma revista mensal, redigir para uma publicação especializada no meio rural e ser correspondente de rádios e jornais de fora.
Desafios como esses não são nada quando se tem vinte e poucos anos de idade e uma sede insaciável de aprender fazendo. Foi assim que iniciei uma romaria por jornais, revistas, rádios, TVs, literatura e assessorias. E lá se vão quase 40 anos na lida.
De todos os ofícios, o que me tirava o sono era escrever a coluna diária. “Coisas da Vida”, publicada inicialmente no jornal “Dia e Noite” e a partir de 1980 no “Diário da Região”, tratava do cotidiano e da política, intercalando crônicas bem e mal humoradas, dependendo do estado de espírito e dos apuros financeiros do autor. Nos dias aziagos, sobravam críticas a tudo e a todos. Muito raramente tecia elogios.
Jovens são assim mesmo. Estão sempre inconformados com o que veem e sentem. Imaginam saber tudo e como fazer melhor. Contestam por natureza e hormônios. Só lá na frente, calejados, compreenderão certas lições de vida que – graças a Deus - não se assimilam aos vinte poucos anos.
Pois eu acordava devendo duas laudas e meia de texto ao editor. Hoje, a maioria dos jovens jornalistas nem sabe o que é uma lauda. Eu traduzo: eram folhas de papel jornal, nas quais datilografávamos os textos, contendo vinte linhas numeradas de 70 toques cada uma (com pequenas variações de jornal pra jornal).
Ao por os pés na redação eu devia, portanto, 50 linhas de texto, ou 3.500 caracteres dos computadores de hoje. E não podia estourar o limite, nem pra mais, nem pra menos. A lauda servia pra orientar a diagramação (paginação) do jornal. O texto do jornalista seguia para a composição a chumbo em linotipos – imensas ‘máquinas de escrever’ que compunham palavras e construíam frases a partir do chumbo incandescente. Um milagre da tecnologia gráfica da época.
Nem preciso dizer que os recursos mais eram escassos. Os jornais que iam bem das pernas compravam conteúdo editorial de agências nacionais e internacionais de notícias para complementar o noticiário local e regional. Os textos chegavam pelo teletipo, impressos em longos rolos de papel, ao som inconfundível do telex... tá-tá-ta... uma maquinona de escrever que batia sozinha e incansavelmente.
As fotos, muito caras, eram racionadas pelo editor, na base de uma ou duas por edição. Era preciso transformar a imagem em clichê, imprimindo-a numa matriz metálica sustentada por uma base de madeira, pra ser encaixada, com folga ou quase a fórceps, no espaço destinado à foto pelo paginador.
As imagens jornalísticas do Brasil e do mundo chegavam pelo telefone, impressas horizontalmente, linha a linha, até compor a figura, como se uma ‘caneta-fantasma’ acoplada ao telefone desenhasse sozinha. Eram chamadas de telefotos. O sistema de transmissão era como a pré-história do hoje pré-histórico fax.
Para publicar um mínimo de notícias nacionais e internacionais, os jornais regionais menos endinheirados investiam na velha rádio escuta. Um funcionário da redação gravava na íntegra os noticiosos de rádio (de alcance nacional) e transcrevia os textos como bem os compreendia.
Contra esses pobres operários da escuta conspirava a instabilidade climática. Com chuva, as transmissões de rádios chiavam e o sinal saía do ar... por vezes, só se ouviam ruídos na gravação da notícia mais esperada do dia.
Certa noite caiu em minhas mãos um pequeno texto da rádio escuta, indicando que saíra o Prêmio Nobel de Literatura de 1980. O ganhador, segundo nosso antenado escutador, era um poeta, romancista e ensaísta de língua polonesa, o famosíssimo “Têslaves Milóvisqui”.
Cismado com o nome, refuguei publicar. Guardei o texto na gaveta e no dia seguinte fui conferir no Estadão o nome correto da fera literária. Era Czes³aw Mi³osz.
Ainda bem!
A invasão do Iraque, em 2003, foi acompanhada ao vivo em várias partes do mundo. Estes dias, quase em tempo real, vimos a queda de um meteoro na Rússia. Imagens que remetem a um desses jogos eletrônicos que os nossos filhos curtem, ou a um filme de ficção.
São novos tempos, velozes e furiosos.
* Mário Soler é jornalista, mestre em Telejornalismo Regional pela Unesp-Bauru, e autor de quatro livros