Este ano o Brasil comemora o centenário de nascimento de Rubem Braga. O sabiá da crônica, como foi chamado por Stanislaw Ponte Preta, era Capixaba de Cachoeiro do Itapemerim. Nascido em 12 de janeiro de 1913, ele foi acima de tudo um grande jornalista, cujo texto poderia ter feito escola. Publicações literárias e eventos artísticos estão programados para celebrar a data (*).
Braga saiu de sua terra natal ainda menino, depois de um desentendimento com o professor de Matemática, que o chamara de burro. Foi estudar no Colégio Salesiano de Niterói e iniciou os estudos de Direito ainda no Rio de Janeiro, vindo a se formar em Belo Horizonte, em 1932.
Naquele mesmo ano, começou a carreira jornalística no extinto Diário da Tarde e cobriu a Revolução Constitucionalista pelos Diários Associados. No front da Serra da Mantiqueira, conheceu personalidades como Juscelino Kubitschek e Adhemar de Barros. Em 1936, ainda em BH, casou-se com Zora Seljan – de quem mais tarde se desquitou – mãe de Roberto Braga, seu único filho. No mesmo ano, publicou o primeiro livro, “O Conde e o Passarinho”, pela Editora José Olympio.
Ao lado de Joel Silveira, Braga foi correspondente de guerra do Diário Carioca. Tal experiência resultou no livro “Com a FEB na Itália”, de 1945. De volta ao Brasil, ele morou nas cidades de Recife, Porto Alegre e São Paulo, até se fixar no Rio. De temperamento combativo e jeito turrão, exerceu as funções de repórter, redator e editorialista, sendo preso mais de uma vez durante o Estado Novo.
Diplomata e dono de editora
No governo de Jânio Quadros, Braga foi nomeado embaixador no Marrocos, mas não se adaptou às funções diplomáticas. Sua vocação era escrever e parece que só isso o satisfazia. Foi também funcionário da TV Globo, a convite do amigo Edvaldo Pacote, segundo o qual “escrevia todos os textos que exigiam mais sensibilidade e qualidade, e fazia isto mantendo um grande apelo popular”.
Homem de visão pioneira, o cronista fundou em 1968, com os mineiros Otto Lara Resende e Fernando Sabino, a Editora Sabiá. Esta revelou o talento de Oswaldo França Júnior para o romance e lançou no Brasil os latino-americanos Gabriel García Márquez, Jorge Luis Borges e Pablo Neruda.
Dono de um estilo pessoal, que só encontra concorrência nas crônicas de Machado de Assis, Braga escrevia “para ser publicado no dia seguinte”. No entanto, seus textos se perpetuaram pela objetividade, simplicidade de estilo, humor e caráter poético. Também fazia versos, embora seu único livro de poemas tenha sido publicado após a sua morte.
Ele morreu na noite de 19 de dezembro de 1990, no Hospital Samaritano, no Rio, vítima de parada respiratória em decorrência de um câncer de laringe do qual se recusou a tratar. Dois dias antes, reunira os amigos mais próximos, entre eles Otto Lara Resende e Moacyr Werneck de Castro, em sua famosa cobertura da Rua Barão da Torre, em Ipanema, onde cultivava árvores frutíferas. Na despedida, avisou que morreria sozinho, como sempre gostara de viver.
Estilo nobre e insuperável
As mais de duas décadas de ausência do mestre da crônica deveriam servir de mote para a reflexão daqueles que hoje preenchem as páginas dos jornais com textos apressados, pretensamente chamados de crônicas. Como poucos, o “urso” sabia mesclar elementos do jornalismo com a literatura, essência de verdadeiros cronistas, como seus contemporâneos Fernando Sabino, Carlos Drummond de Andrade e Nelson Rodrigues – para citar apenas alguns.
Sua passagem pela redação do Diário da Tarde, bem como sua relação com o jornalismo mineiro que lhe serviu de escola, também deveriam inspirar eventos que pudessem resgatar sua presença em Belo Horizonte.
Segundo o crítico literário Afrânio Coutinho, a marca registrada da obra de Braga é a “crônica poética, na qual alia um estilo próprio a um intenso lirismo, provocado pelos acontecimentos cotidianos, pelas paisagens, pelos estados de alma, pelas pessoas, pela natureza”.
*Jorge Fernando dos Santos é jornalista