Vivemos uma crise ética sem precedentes na história ocidental. O niilismo prático abarca todas as instâncias sociais e todas as nossas relações. O cinismo e o escárnio são posturas cada vez mais acentuadas atualmente. O filósofo tem muita matéria com o que lidar, mas as consequências são verificadas no dia a dia.
Uma das atitudes mais comuns em se tratando de ética é se colocar como um indivíduo extremamente ético em comparação aos demais indivíduos da sociedade. Tal posição é a maneira que o sujeito encontra para tentar ficar bem com a própria consciência. Frases feitas e de efeitos são faladas à exaustão por um senso comum predominante nos discursos sobre ética: “Todo político é corrupto”; “As pessoas são desonestas”... Essas afirmações universais são incorretas por conterem implicitamente certas falácias. Por exemplo, dizer que os “políticos” são corruptos explicita a falsa dicotomia absoluta entre eles (“os outros”), que são sempre antiéticos, e “nós”, os que possuem ética.
É espantoso como existe um discurso cheio de indignação contra a corrupção no ambiente público, mas não há esta mesma repulsa quando adulterações ocorrem em outros ambientes. Assim, não é de se admirar que em vários momentos o discurso e a atitude dos sujeitos sejam antagônicos. O que dizer de alguém que através desse discurso inflamado procura enganar o imposto de renda? Ou um aluno que frauda uma prova na tentativa de enganar o professor? Os ambientes e situações são diferentes, mas os estratagemas são os mesmos. Enquanto políticos são encarados como sendo desonestos, os indivíduos nas situações descritas nos exemplos acima passam por espertos.
Nos tempos atuais há uma inversão histórica bastante perigosa. Durante boa parte da história ocidental, personalidades éticas, como sábios e anacoretas serviram de exemplos de vida que deveriam ser seguidos. Hodiernamente, muitas vezes, aqueles que buscam ter uma postura ética passam por ingênuos e bobos.
Se qualquer argumento ético não for suficiente para os que relutam em viver pautados pela ética, vale a pena frisar que viver eticamente não tem nada de romântico ou beato. É uma questão de sobrevivência. Por mais que sejamos egoístas e individualistas, características acentuadas na contemporaneidade, tais posturas não conseguem garantir a perpetuação da existência individual. Necessitamos da convivência do outro. Mas se essa relação não for balizada por um mínimo de parâmetro, não há muita chance de haver confiança mútua.
A crise ética que hora alertamos está escancarada em anedotas como a situação em que o folclórico dirigente esportivo Eurico Miranda disse, fazendo o papel de um profeta da nossa época, que ética é coisa de filósofo! Os que tenham ouvido que ouçam!
*Émilien Vilas Boas Reis é graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais