Acabou 2012 e, ao contrário do que foi alardeado, o mundo não chegou ao fim. O século XXI, ameaçado de não nascer, anda apressado e já é ‘teen’.
A vida continua, mas vale uma reflexão. O ser humano precisa repensar suas relações consigo mesmo, com o próximo, com os bens materiais, com Deus. Nas últimas décadas houve avanços fantásticos em quase todas as áreas da atividade humana. A tecnologia facilita muito a nossa vida. Apesar disso, o ser humano parece mais perdido, carente e vulnerável do que nunca. As máquinas e outros frutos da engenhosidade e da inteligência do homem ganham qualidade, mas ele perde qualidade. Numa inversão de papéis, as máquinas parecem humanizar-se enquanto o homem fica mais mecanizado e menos pensante. Como explicar esse paradoxo? Lógico seria que com o passar do tempo o ser humano se tornasse melhor, se aperfeiçoasse, assim como ele faz com a tecnologia. Se a ciência se desenvolve e o ser humano não, é porque algo está errado. Com ele, obviamente. Ou seja, o ser humano tem uma boa relação com as máquinas, mas não tão boa assim consigo mesmo nem com o seu próximo. De quem as pessoas querem ficar protegidas quando se refugiam em condomínios fechados e com fortes sistemas de segurança? De quem elas têm medo? Não é de nada senão de pessoas. O aumento da criminalidade é desproporcional ao aumento da população. Quem pratica crimes são pessoas. A violência assustadora, a maldade e a inconsequência não vêm só de quem está fora dos condomínios que mais parecem “bunkers”. O homem que fracassa como ser humano é aquele que não usa a capacidade que tem para posicionar-se num ponto sadio entre os extremos do medo e da crueldade. É necessário, portanto, rever o modo de usar o intelecto.
Das promessas que as pessoas costumam fazer para si mesmas em viradas de anos, duas se destacam: emagrecer e parar de fumar. São objetivos que podem ser perseguidos a qualquer tempo. Saúde é bom e quanto a isto não é necessário dizer muito. Quanto aos fumantes de cigarros, isto é, viciados em nicotina, hoje são meio marginalizados, estão perdendo espaço. Se a consciência de que fumar faz mal não é suficiente para fazê-los abandonar o vício, talvez essa semiexclusão social os estimule a parar, ou seja, a gostar mais de si mesmos do que do cigarro. O cigarro pode até dar prazer a quem fuma, mas infinitamente maior é a satisfação de quem consegue vencer o vício. Vícios levam à transferência de poder. O poder da pessoa passa para as coisas nas quais ela é viciada. Inverte-se o controle; a pessoa depende das coisas para sentir-se normal. Quem fuma e já precisou sair a desoras para procurar cigarro sabe bem como é. No caso, o que impulsiona a ação da pessoa não é a sua vontade livre, mas sim a necessidade de fumar. O poder, portanto, está com o cigarro. Este é que faz a pessoa vir até ele, pois sua força de atração é mais forte do que o poder de repulsa do fumante. A força da pessoa se manifesta realmente quando ela é capaz de distinguir vontade de necessidade e age de acordo com tal capacidade.
Por fim, algo sobre nossa relação com Deus. Nunca o ser humano fez tão mal ao próximo como quando disse estar agindo em nome de Deus. A história da humanidade está repleta de atrocidades praticadas por gente que dizia ser instrumento de realização da vontade divina, mais especificamente da ira divina. É arrepiante saber o que fizeram representantes da igreja católica na inquisição, durante a Idade Média, dizendo estar a serviço de Jesus Cristo. No século passado, os nazistas e simpatizantes do regime afirmavam que Hitler era um enviado de Deus. Depois de escapar de um atentado a bomba, perpetrado por alguns de seus próprios subordinados, na chamada Operação Valquíria, o Führer disse que havia sido salvo pela “mão da Providência” para que pudesse viver e cumprir seus desígnios. Quem conhece um pouco de História sabe da “nobreza” de tais desígnios. Hoje existe uma penca de igrejas de fachada, onde os fiéis entregam até a roupa do corpo, crentes de que, quando mais doarem a Deus, mais receberão de volta. Já ouvi que um homem com uma bíblia pode ser mais perigoso do que com uma arma, e concordo. Creio em Deus e uso a fé como suporte espiritual e para não ficar feito barata tonta perante os mistérios da vida. Nada, porém, de agir em nome de Deus. Para fazer o bem nem é preciso mencioná-Lo; fazer o mal a pretexto de servi-Lo é picaretagem da grossa, para não dizer coisa pior. Enfim, que 2013 possa ser mais um ano e o homem, mais ser humano.
*Paulo Pereira da Costa, promotor de Justiça e autor do livro “Pensando na Vida” paulopereiracosta@uol.com.br