Confesso que andava meio desanimado, com um certo ar de cansaço, com o meu partido, o Partido dos Trabalhadores, não com a política. Mas que partido brasileiro consegue reunir mais de 1000 delegados vindos de todo Brasil, trabalhadores do campo e da cidade, parlamentares, gestores públicos, militantes, por dois dias, para discutir a conjuntura, reformar seu Estatuto e tirar resoluções para o futuro? Qual partido brasileiro tem a coragem de aprovar a paridade de gênero – 50% de mulheres - na composição das direções, delegações, comissões e nos cargos com função específica de Secretarias? E de que todas as chapas deverão conter, no mínimo, 20% de componentes com menos de 30 anos? E aprovar um critério étnico-racial, dizendo que todas as chapas e direções partidárias deverão ter a participação mínima de 20%, levando-se em conta a composição populacional e dos filiados ao Partido? Qual partido brasileiro exige que os diretórios municipais ou zonais realizem obrigatoriamente 4 reuniões por ano com novos filiados para que estes conheçam o PT, sua história e concepção, seus direitos e deveres partidários, sendo que as atividades terão caráter nacional e conteúdo subsidiado pela Escola Nacional de Formação? Qual partido exige a participação do filiado em pelo menos uma atividade anual para ter direito a voto nas decisões internas ou no PED – Processo de Eleição Direta de seus dirigentes -? E exige dos filiados, para estarem regularizados e aptos a exercer seus direitos uma contribuição financeira anual, mesmo os não ocupantes de cargo eletivo comissionado ou partidário? Qual partido brasileiro tem a ousadia de limitar a 3 os mandatos consecutivos por cargo legislativo e 2 para o senado?
Todas estas deliberações foram tomadas no 4º Congresso Extraordinário do PT, realizado de 2 a 4 de setembro em Brasília, convocado para uma reforma estatuária, “atualizando a estrutura partidária à luz da experiência de 31 anos”.
Nas resoluções políticas, diz o documento do Congresso: “O 4º Congresso reúne-se às vésperas do dia 7 de setembro, quando se comemora a proclamação da Independência do Brasil. A construção da Nação brasileira não começou nem terminou em 1822, tampouco foi obra das elites. O grande artífice do Brasil foi e segue sendo o povo brasileiro, homens e mulheres de todos os rincões: os indígenas, os negros, os camponeses, a juventude, a intelectualidade democrática, os trabalhadores e trabalhadoras que constroem diuturnamente a riqueza e a alegria do nosso país. Por isso, nosso 4º Congresso começa por homenagear aqueles e aquelas que, dentro ou fora do PT, dedicaram o melhor de suas vidas para livrar o país da exploração colonial, da dependência externa, da opressão da ditadura, da chaga do latifúndio, da opressão e da exploração do homem pelo homem. É em homenagem a estas pessoas que o Partido dos Trabalhadores reafirma seu total e irrestrito apoio à política de direitos humanos dos governos Lula e Dilma, em particular à criação da Comissão da Verdade, a abertura dos arquivos e o direito das famílias dos mortos e ‘desaparecidos’ políticos. O povo brasileiro tem o dever e o direito de conhecer sua própria história.”
Diz mais o documento político: “Após anos de pilhagem do Estado, através de privatarias que legaram ao País o fardo de uma herança maldita, o governo Lula resgatou o papel do Estado como indutor do desenvolvimento, recuperou a função do planejamento governamental e fortaleceu o poder público, inclusive o das empresas estatais, como foi o caso exemplar da Petrobrás. Mais que isso, fez cessar a perseguição aos movimentos sociais – alguns deles criminalizados no passado -, reconheceu formalmente as centrais sindicais de trabalhadores e promoveu um diálogo permanente com as organizações do movimento sindical e popular, tornando-os protagonistas das políticas públicas por meio de centenas de conferências setoriais.”
Os desafios são de construir “outro modelo de desenvolvimento, socialmente inclusivo, regionalmente integrado, tecnologicamente avançado e ambientalmente sustentado. Tal modelo implica em criar condições para reformas estruturais, articuladas ao aprofundamento da democracia e da construção de uma nova sociedade. Nos desafios encontram-se a continuidade na ampliação do mercado interno (onde tem papel decisivo a redução da pobreza e das desigualdades, a geração de empregos e valorização dos salários), a elevação da nossa capacidade científica e tecnológica, a universalização da educação com qualidade, o equacionamento de gargalos que tolhem o avanço do SUS, do Sistema de Segurança Pública e do sistema de proteção de Justiça, a consolidação do Sistema Único de Assistência Social e Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional, assim como o enfrentamento de questões de fundo: a questão agrária, a questão tributária e a questão ambiental. A resolução de tais desafios econômicos e sociais está ligada a novos avanços na democracia, entre os quais se destacam a reforma política, a democratização dos meios de comunicação, mudanças na natureza do Estado e a necessidade de um sistema eficiente de defesa nacional.”
Os partidos políticos estão em decadência no mundo. As grandes mobilizações sociais em meio à crise econômica na Europa e Estados Unidos passam ao largo dos partidos socialistas, comunistas e social-democratas de larga história. As mobilizações democráticas dos países árabes são feitas pelas multidões nas ruas, assim como as mobilizações dos jovens no Chile.
O PT, sabem seus filiados, militantes e simpatizantes, não está imune às tentações do poder, têm tido dificuldade de alimentar sua mística militante e a chama da utopia da mudança, mas seu 4º Congresso reanima sua relação com a sociedade, reafirma a necessidade de reformas estruturais, como a política, a agrária, a tributária e a das comunicações, revigora seu funcionamento interno, sem deixar de ser um partido de massas.
Em tempos de crise econômica, social e ambiental, crise de valores e de utopia, não se pode desprezar essa reafirmação de um partido enraizado na sociedade, capaz de ler os acontecimentos e apontar o futuro.
Selvino Heck Assessor Especial da Secretaria Geral da Presidência da República