Em um discurso na Câmara dos Comuns (espécie de Câmara dos deputados no Reino Unido) em 1947, o estadista inglês Winston Churchill disse, em outras palavras, que a democracia era a pior forma de governo, excetuando-se todas as demais. A defesa que o “bulldog britânico” fez da democracia foi de extrema pertinência, se levarmos em conta que o político inglês fora um dos grandes combatentes frente aos regimes fascistas que rondavam a Europa. Seria realmente a democracia a melhor forma de governo (ou a menos ruim) como apregoava Churchill?
Tomar a democracia pura e simplesmente como a melhor forma de governo é uma ingenuidade que muitos possuem. Dependendo de nossa postura frente ao “governo do povo”, passamos a fazer parte da “maioria”, tendo imensa dificuldade em lidar com posições e opiniões que destoam da multidão. Além do mais, uma das grandes balelas ditas pelo senso comum é de que a “voz do povo é a voz de Deus”. Fazer parte da maioria nas democracias contemporâneas, muitas vezes significa ser “massa de manobra” de uma pequena parcela.
Sobre a perda da individualidade perante a multidão, o pensador francês Alexis de Tocqueville (1805-1859) em sua obra maior “A democracia na América” chama a atenção sobre o “império da maioria” existente no regime democrático. Os indivíduos são coagidos a tomarem posições adequadas perante esta “maioria”, que significa ter os mesmos pensamentos e atitudes dos outros. Aquele que possui uma visão diferente dos demais passa ser achincalhado, como um organismo estranho dentro do corpo político.
Tocqueville também tem muito a nos dizer sobre a questão de nos tornarmos massa de manobra na democracia. Para o pensador francês, quando aquele que está no poder satisfaz os pequenos prazeres cotidianos dos indivíduos, o governante é considerado um “pai” que protege seus filhos. Os súditos são moldados pouco a pouco pelo governante (em outro artigo aprofundarei este item). Vai se criando uma massa igualitária, uma espécie de “mediocracia”, na qual os espíritos que não compartilham da visão de mundo da maior parte, passam a ter dificuldades em se destacarem. Estes vão morrendo pouco a pouco. Literalmente, os homens nesta situação transformam-se em uma “manada de animais tímidos e industriosos”.
A democracia permite que os indivíduos se escondam e acomodem por detrás da multidão; daí os dizeres comuns: “nós estamos certos”, “nós somos superiores”, “nós somos a maioria”, “nós somos o povo”. Nesse caso, o covarde vai à forra, e pode falar e fazer tudo o que não falaria ou faria se fosse “ele” que tivesse que se expor. O “nós” substitui o “eu”.
Para uma tentativa de democracia efetiva não devemos nos esquecer que o mundo contemporâneo é um mundo plural, onde se deve pressupor os diferentes discursos nesta pluralidade (lembrando Jürgen Habermas – 1927). Mesmo que alguns discursos não se sustentem com o passar do tempo, numa democracia é preciso haver estes diferentes discursos. Caso contrário, o regime democrático passa ser sinônimo de “ditadura da maioria”.
Um amigo me disse certa vez que “nem todas as sociedades estão preparadas para uma democracia, e quando se conclui pela negativa, a ditadura se instaura com tranquilidade e grande apoio”. Pois é, pena que a própria democracia seja palco para ditaduras.
Émilien Vilas Boas Reis é graduado em Filosofia pela UFMG. Mestre e Doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica-RS. Professor de Filosofia do Direito e Metodologia de Pesquisa