Podemos ter saúde sem que haja água potável? Ou contaminada? Sem termos serviços adequados e eficientes? Se nossa comida não é balanceada ou simplesmente completa? Se nos hospitais não recebemos a atenção devida?
Podemos viver uma vida digna sem salários justos e condições de trabalho que não nos permitam ter tempo para nos desenvolvermos como pessoas e integrantes de uma comunidade?
Podemos esperar que nossos jovens aprendam na escola se não estão bem alimentados, com espaço cômodo e higiênico para estudarem em suas casas acompanhados de uma família organizada e preocupada com seu desenvolvimento?
Podemos garantir um futuro próspero à Nação se estes pequeninos têm que sair para trabalhar desde pequeninos em detrimento de sua formação integral?
Segundo o IBGE, o trabalho infantil no Brasil atinge mais de 4,3 milhões de brasileiros de 5 a 17 anos. Destes, 132 mil crianças entre 9 e 15 anos são responsáveis por sustentar a família. Esta é uma dura realidade.
Podemos exercer o direito de participação nos destinos de nosso País quando somos reprimidos quando nos manifestamos para reclamarmos nossos direitos?
Nós que trabalhamos por direitos humanos, desde há muito tempo ficamos tentados a responder a estas perguntas. Não têm sido fácil diferentes posicionamentos sobre estas questões que sempre favorece a visão integral dos mesmos.
Então, em que consiste a integralidade dos direitos humanos? Devemos partir do princípio de que todos os direitos humanos são fundamentais e não devemos estabelecer que um seja mais importante de que o outro. É difícil pensar em ter uma vida digna se não desfrutamos de todos os direitos. Violar qualquer um deles é atentar contra a dignidade humana, que se fundamenta em igualdade e liberdade, tal como estabelece a Declaração Universal “todos os seres humanos nascem livres e iguais na dignidade e direitos”.
Se partirmos da integralidade como partes integrantes de um todo, claro que neste caso dos direitos humanos significa que estes direitos são indivisíveis e interdependentes. Todos os direitos são igualmente importantes, embora haja os que pensam que somente saúde e educação resolvam tudo.
Em síntese, podemos afirmar que a promoção, o respeito e o desfrute de certos direitos humanos e liberdade fundamental não podem justificar a negação de outros direitos e de liberdades fundamentais.
Esta é a dimensão da universalidade dos direitos humanos.
Olhando assim, e compreendendo a necessária interação entre os direitos para se promover uma vida protegida, a articulação das políticas públicas é condição necessária para o planejamento e a execução de ações que não permitam lacunas entre um direito e outro. A concretização dos direitos depende de um modo de governar que não permite brechas entre uma política e outra. Quando as políticas públicas são fragmentadas os direitos pingam e não se efetiva a proteção integral tão bem colocados no ECA. Contribuir para a construção de uma verdadeira intersetorialidade das políticas, eis uma grande e difícil tarefa. Os conselhos de direitos em diálogo com as Conferências Nacionais têm elementos suficientes para subsidiar a superação da cultura que se contenta com os limites de cada pasta. Neste sentido, há que se perceber e levar em consideração que a criança não é um ser flutuante no espaço. Ela existe em uma comunidade e em uma família. Portanto para que ela viva o seu direito é preciso que todo o contexto se transforme. Portanto, temos importantes desafios para se acabar com o trabalho infantil no Brasil: garantir que crianças e adolescentes sejam de fato prioridades absolutas e que as políticas voltadas para a realização de seus direitos tenham mesmo uma destinação privilegiada de recursos, como preconiza o ECA.
Precisamos empreender um esforço coletivo no sentido de compreender as múltiplas causas do trabalho infantil e de apresentar respostas articuladas para que todas as crianças cumpram sua tarefa mais importante: a de ser feliz.
Cleide Semenzato é Assistente Social