A cidade, quando feita na medida do homem, é o berço primário das manifestações democráticas, onde cresce o sentimento de Pátria, com sincronismo de espírito e corações, encontro dos sonhos e solidariedade. Ali, as pessoas criam vínculo de amor ao chão, trabalham e consolidam o sucesso profissional.
O município representa a base sobre o qual está erguido o edifício da cidadania. A cidade é o palco real, onde se desenrola o cotidiano das pessoas, que convivem umas com as outras, chamando-as pelo nome e sobrenome. No município, vivem as comunidades, que produzem cultura, valores, projetam expectativas, fortalecendo os laços de solidariedade e construindo a cidadania.
A cada dia, essas comunidades se manifestam com mais força, por meio do voto, das demandas, das críticas e das sugestões. O povo torna-se mais crítico e exigente. Os poderes Executivo e Legislativo municipais evoluem, na mesma medida, para atender os cidadãos; o primeiro, por ser o planejador e executor de obras e serviços que melhorem a qualidade de vida das pessoas; o segundo, o defensor dos interesses maiores da comunidade.
A despeito de sua importância no conceito da federação, com o poder de auto-organização, a partir da Constituição de 1988, os municípios vivem um quadro econômico crítico, que dificulta sua função de prover o bem-estar geral da população, por não terem acesso na sua integridade aos recursos federais e estaduais.
Atualmente, com o pacto federativo às avessas, os municípios passaram a depender do Fundo de Participação dos Municípios, gerido pelo governo federal e responsável pela maior parte da receita das cidades, e pela cota parte do ICMS, a cargo do governo do estado.
Nas cidades com até cinco mil habitantes, o FPM responde por 56,27% das receitas disponíveis de suas prefeituras. Já nos municípios médios, com população entre 100 e 500 mil habitantes, 23,15% das receitas proveem do ICMS. Cerca de 71% dos nossos municípios encontram nas transferências da União e dos Estados um reforço de caixa correspondente a 89,40% de suas receitas. Os municípios recebem, entretanto, apenas 17,06% da arrecadação nacional. Já os estados ficam com 28,31% e a União, com assombrosos 54,63%, no último ano.
Esses “pequenos entes federados” estão, agora, mais temerosos com a possibilidade de pagar a conta, na esteira da decisão do Supremo Tribunal Federal. O STF, com atraso de dois anos, reajustou o piso salarial dos professores, o que pode estrangular as finanças dos municípios.
Não há como negar que a organização urbana precisa estar à serviço das comunidades. Promover o acesso do cidadão aos bens e serviços públicos, a uma infraestrutura que lhes facilitem o ir e vir, às oportunidades educacionais, de saúde e cultura. Repetir Ledo Ivo é sempre aconselhável quando se fala em principio da subsidariedade: “A cidade deve ter o tamanho do homem”.
Por isso, renova-se o momento de lutarmos para que cheguem aos municípios as condições de cumprir seus compromissos com a população. E isso se dará na discussão das reformas tributária e política para que não se transformem em instrumentos de posições personalistas, muito menos de interesses grupais ou corporativos. É imperativo que os conteúdos de ambas passem pelas propostas dos prefeitos e vereadores.
O prefeito, como chefe do executivo municipal, saberá, mais que os parlamentares federais, os caminhos para a solução dos problemas locais. Via rápida para o desenvolvimento são as obras gerenciadas na própria comunidade, fato que se produzirá quando os canais de financiamento forem condizentes com as atribuições do poder local.
O vereador é um líder de base. Bem próximo do cidadão, esse agente público conhece, mais que todos, os sonhos e desejos da comunidade que representa. Os governantes que conseguiram lograr êxito em tempos de crise, como Mário Covas, Geraldo Alckmin e José Serra, para citar alguns, passaram, invariavelmente, pela experiência do poder local.
Assim, é de se perguntar: Como discutir uma reforma tributária sem a participação de quem paga a conta? E, é justo discutir reforma política sem que o político mais próximo do cidadão seja ouvido? Afinal, congressistas e vereadores têm a mesma origem: o voto popular.
Política e democracia não se fazem fora do município. Os estados maiores ou menores nada mais são do que confederações de municípios. Konrad Adenauer, primeiro chanceler da República Federal da Alemanha, lembra-nos de que “a melhor maneira de ensinar democracia é nos municípios. É neles que o trabalho prático e o resultado das eleições têm a melhor visibilidade”.
Quando não se confia no município, não se confia no povo. Em todos os aspectos, o município é a grande escola da cidadania É nessa escola que o cidadão aprende a prática da política que conduz ao bem-comum e à defesa da prática democrática.
A democracia é, portanto, municipalista e não se justifica que as reformas tributária e política aconteçam sem que todos os entes federados sejam ouvidos. Os debates, construídos a partir do olhar municipalista, fornecerá material humano capaz de governar com os olhos voltados para a qualidade de vida do povo brasileiro.
Sebastião Misiara é presidente da União dos Vereadores do Estado de São Paulo e diretor da União de Vereadores do Brasil e da Associação Paulista de Municípios.
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