Terminada a segunda guerra mundial em 1945, viemos para Votuporanga. Este articulista mesmo com apenas 6 anos, na época, consegue lembrar-se de algumas situações. Chegavam, também, por aqui, muitos outros que vinham para desbravar os sertões, enfrentar dificuldades e tentar fazer a vida. Eram brasileiros, de outras regiões, imigrantes japoneses, portugueses, italianos, espanhóis e árabes. Parece-me que havia até uma família francesa lá pelas baixadas da Sergipe. Os alemães já estavam por aqui, fundadores e loteadores que foram do chamado patrimônio.
Os adultos, aqueles com seus trinta, quarenta anos, tinham ainda na memória lembranças e conhecimentos das catástrofes da primeira guerra (1914-1918). Explicando melhor: as pessoas daquele tempo haviam vivido as consequências de duas guerras mundiais em um período de apenas 30 anos. Viveram dificuldades, viveram explosões de conhecimento tecnológico, viveram transformações de modo e estilo de vida, sofreram consequências. Por isso sabiam valorizar toda oportunidade que surgisse, mantinham valores morais e religiosos e, principalmente, a unidade familiar que em outros países havia sido ferida. Sabiam, muitos, viram e sentiram de perto as dores, a fome e o desespero coletivo. Portanto, ao chegarem por aqui e em outras partes do país, onde podiam iniciar ou reiniciar suas vidas, esforçavam-se para manter o respeito e para serem membros ativos das comunidades. Não haviam “cotas” para nada; havia, isto sim, esforço e luta para darem aos seus filhos o melhor que pudessem, sem descaracterizar suas personalidades e dignidades. Ninguém pedia nada de graça, pois, sempre ofereciam algum serviço em troca. Me lembro dos que rachavam lenha para os fogões por uns trocados e a comida do almoço. Me lembro das casinhas de pau a pique, limpinhas e dignas, e os garotos dali indo para as escolas com suas roupinhas passadas, mesmo que, alguns, nem sapato tivessem. Me lembro dos que destocavam as lavouras no puro machado, enxadão e auxiliados, por vezes, por alguma junta de boi, quando o tronco era muito grosso. Tudo, pura luta e muita coragem. Na maioria das vezes eram pessoas bem educadas, que se levantavam e cediam o lugar aos mais velhos, que se portavam discretamente, que respeitavam o bem público e as autoridades. Tudo isso porque sentiram de perto as dificuldades e sabiam que não havia no país nenhum tipo auxilio, que não fosse o de seu próprio trabalho. E foram essas mesmas pessoas que, com seus esforços, fizeram surgir uma nação como a que temos hoje, cheia de oportunidades e com um vasto programa de auxílios. Começaram do nada e deixaram muito.
Hoje, vivemos num país que se diz o oitavo do mundo. E, dentro deste contexto, ficam perguntas: Por que não tem este mesmo índice na educação, na saúde, nas estradas, nas ferrovias e em outros setores? A culpa é só do governo ou passa pelo respeito aos valores coletivos e individuais, também?
Muitos jovens, atualmente, não sabem o que é inflação e que a mesma vai solapando seus ganhos dia a dia, que a prestação contratada hoje pode se tornar um tormento em poucos meses. Muitos desvalorizam seus empregos porque acreditam que existe abundância de locais de trabalho, e se esquecem que no futuro, se o país passar por alguma dificuldade, somente estarão garantidos os que souberam respeitar o lugar do pão de cada dia. Muitos, também, frequentam escolas apenas para terem o “diploma”, não se esforçam para aprender e poderão, em momentos de dificuldade, terem de aceitar ofertas de trabalho braçais mesmo sendo diplomados (no papel).
Por que escrever isto? Porque, como muitos, me sinto entristecido com os vandalismos que presencio ou fico sabendo, com a falta de respeito ao semelhante por parte de muitos, e com falta de sensibilidade, de um outro tanto de gente, com o que é oferecido pelos poderes públicos. Fico lembrando daquele famoso ditado popular: “Barata que nunca comeu melado, quando come se lambuza”. E, do outro ditado: “Saco que só se tira e não se põe, uma hora fica vazio”.
Respeitemos o que temos, para que a qualidade de vida seja cada vez melhor.
Nasser Gorayb é comerciante e escreve neste espaço aos sábados - nasserartigo@terra.com.br