Vendam, podem vender.... Todos os meus calçados, minhas roupas e minhas gravatas. Poucas serão as chances de precisar disso. No céu a gente precisa chegar sem fazer barulho e com poucas peças, para não acordar os que nos recebem. Muita roupa, calçado e adereços só irão servir para estragar o colorido do silêncio. É melhor que tudo isso seja doado àqueles que lutam há muito tempo por uma camisa nova, por um par de sapatos mesmo que usados ou qualquer enfeite prateado ou aurificado que engane a sociedade hipócrita e carente de dignidade. Quando partimos para a eternidade não levamos nada mais que nossos momentos, aqueles vividos minuto a minuto junto às pessoas que amamos, sejam elas da nossa família ou amigos da grande família que aos poucos construímos. Vendam também meu terno pouco usado, meus óculos aposentados que me ajudaram a entender a magia da leitura. Creio que não me farão falta para enxergar o coração daqueles que chegaram primeiro. Vendam meu rádio de pilhas que me distraía ao ouvi-lo nas noites que a energia não me premiava. “Vendam tudo, ao findar a minha morte, libertando minha alma pensativa para ninguém chorar a minha morte sem realmente desejar que eu viva”. Não, isso não vendam. Ainda que lhes ofereçam ouro maciço. Meus olhos não estarão à venda. Nenhum brechó cravado de bactérias terá o direito de possuí-los. Esses vocês doem, sempre existirá alguém banido da graça da luminosidade externa, sempre haverá alguém com luz na ponta dos dedos utilizados no tato, mas que a luz dos olhos lhes será um prêmio. Não vendam também a dignidade que me acompanhou por toda vida. Foi presente dos meus pais e eles não ficariam satisfeitos se barganhássemos com futilidades. Juntem a essa as que lhes passei ao longo de suas vidas. Esse material não é negociável nem mesmo em condições desumanas de existência. Ah.... Na estante bem atrás da minha cadeira onde escrevo minhas memórias tem um CD, onde deixei gravadas doze ou treze músicas ao som do violão que ganhei do meu pai e que já doei a vocês. São músicas dos anos 70, 80... mas poderá servir para matar a saudade da voz que tanto ouviram fazendo pedidos de comportamentos. Reforcem enquanto puderem a meus netos que nem todos os homens são justos e verdadeiros, mas diga-lhes que por cada vilão há um herói, que por cada egoísta há também um líder dedicado. Ensine-os que mais valerá sempre uma moeda ganha que uma moeda encontrada. Conduza-os a maravilhar-se com livros. Ensina-os quando em condição de lazer com os coleguinhas que mais valerá uma derrota honrosa que uma vitória vergonhosa. Ensine-os a ouvir, a decidir, a ser gentis com os gentis, mas nunca entrar em movimentos revolucionários só porque outros entraram. Trate-os da mesma forma que os tratei. Deixe-os a ter coragem de ser impacientes e a ter paciência de ser corajosos. Assim, me faço feliz por ter plantado sementes de qualidade inquestionável. De orgulhar-se de ter vivido num mundo que ajudei a melhorar e que perpetuarei meus passos através dos seus atos e de todos aqueles que de vocês terão o ensinamento que de mim receberam.
Professor MSc. Manuel Ruiz Filho - manuel-ruiz@uol.com.br