Num dia desses revendo uma das gavetas onde coloco algumas de minhas roupas encontrei uma camisa axadrezada, de quadrículas azuis turquesa, embaixo de todas as demais vestimentas ali postadas e de uso comum. Essa camisa tem um significado extremamente importante para mim. Quando a toquei revi parte da minha história que o tempo tinha amarelado e colocado no esquecimento com sua forma implacável de apagar da memória o que o dia a dia escreve inocentemente. Meses antes de minha mãe ser intimada para se apresentar à presença de Deus, ela me disse que iria comprar um tecido e fazer uma camisa para eu usar quando fosse para o campo recolher guabirobas. É um tecido comum, desses que você encontra em qualquer loja que vende tecido a metro, mas o significado dessa camisa é de uma grandeza sem tamanho. Minha mãe era uma senhora de prendas domésticas incalculáveis. Fazia guloseimas de todo tipo. Ninguém conseguia sair de minha casa sem que experimentasse algum tipo de doce feito no fogão a lenha, ou naquele forno redondo de tijolos e barro comum que ela mesma construiu sobre um tablado de madeira rústica, coisa dos anos sessenta. Saudades das mãos de minha mãe, tão comuns, mas de habilidades incomparáveis. Faço-me analogia, no cosimento da minha camisa naquele rústico tecido essa mulher usava toda sua sabedoria revigorando e reforçando as costuras de proteção de cada um de seus filhos ou demais pessoas de nossa casa. Era protetora de todos, nos empurrava a enfrentar a vida encarando todo tipo de adversidade que o tempo impunha. As mãos de minha mãe, no alinhavo da minha camisa uniam as partes do molde e não esquecia que cada uma delas era diferente da outra e que juntas fazia um todo, assim como nossa família naquele momento necessitava. As mãos de minha mãe fizeram as bainhas da minha camisa para que pudéssemos crescer impedindo que se moldassem curtos nossos ideais. As mãos de minha mãe remendavam partes dilaceradas de nossas roupas para que desistíssemos de usar o coração com fiapos e com ressentimentos. As mãos de minha mãe juntavam pedaços de pano comum, de todo tipo e de todas as cores para que tivéssemos uma manta única e nos cobrisse na medida de nossa necessidade. As mãos de minha mãe mantinham em suas palmas presilhas e botões, segurando-as sempre uma à outra para que mantivéssemos unidos e jamais perdêssemos a esperança por mínimas que fossem as dificuldades enfrentadas. As mãos de minha mãe aplicavam elásticos para que pudéssemos nos adaptar às agruras e inconveniências e flexivelmente nos moldavam às exigências do tempo e da modernidade. As mãos de minha mãe bordavam maravilhas para que a vida nos desse de presente todas as suas dádivas de embelezamento e de toda a coerência do belo e do saudável. As mãos de minha mãe sempre coseram bolsos para guardar neles moedas cunhadas por nossas melhores recordações e por nossas identidades. As mãos de minha mãe quando se calavam zelavam pelos nossos sonhos e nos alimentavam com ideais de um pó mágico que se chama grandeza. As mãos de minha mãe seguravam-nos com linhas mágicas de costura nos fortalecendo para que quando entrássemos na vida tivéssemos a certeza de bem vesti-la. As mãos de minha mãe nunca abandonaram o que deveria ser feito no momento ou num tempo depois. É claro que você deve estar se lembrando de sua mãe também. Se ela se foi como a minha, deve ter lembranças saudáveis assim como eu. Se ainda a tens valorize seus dias e reconheça nela a sua melhor companhia. Sei muito bem que as mãos de minha mãe onde estiverem nos dias de hoje continuam orando por mim e por toda minha família, e neste momento eu as beijo como se com isso pudesse receber suas bênçãos.
Professor MSc. Manuel Ruiz Filho - manuel-ruiz@uol.com.br
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