Edwaldo Pereira da Silva comentou sobre o significado do Dia da Consciência Negra para comunidade e o preconceito que, segundo ele, perdura
O presidente do Conselho Municipal da Comunidade Negra ressaltou a importância da comunidade se valorizar e resgatar seus valores (Foto: Agência Brasil e Arquivo pessoal)
Pedro Spadoni
pedro@acidadevotuporanga.com.br
Francisco nasceu livre, em 1655, mas foi capturado aos sete anos e entregue a um padre. Foi ele, aliás, que deu esse nome ao menino, após batizá-lo. Francisco trabalhou com o padre por um tempo, mas, aos 15 anos, voltou a viver no quilombo. Com o tempo, o menino, agora um homem, se tornou líder de um complexo de quilombos na Serra da Barriga, onde hoje é o estado de Alagoas. O lugar ficou conhecido como Quilombo dos Palmares. E o homem, como Zumbi.
Foi por esse complexo de quilombos – e pelos escravos fugitivos que viviam nele - que Zumbi morreu, assassinado numa emboscada, no dia 20 de novembro de 1695. Mais de três séculos se passaram e, atualmente, celebra-se duas coisas neste sábado (20): o Dia Nacional de Zumbi e o Dia da Consciência Negra. Quem resgata essa história é Edwaldo Pereira da Silva, presidente do Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra de Votuporanga, em entrevista ao jornal
A Cidade.
Significado
Para Edwaldo da Silva, que também é sargento da Polícia Militar no município, a data é importante para a comunidade porque dialoga com a necessidade de resgatar (e valorizar) sua contribuição para a sociedade.
“Acredito que é fundamental que seja lembrada essa data para que não seja perdido no tempo a contribuição cultural [da comunidade negra], em relação à gastronomia, artesanatos, dança, fala e tudo mais”, disse Edwaldo.
Preconceito
Quando se fala em preconceito contra as pessoas negras, há quem torce o nariz e diz que isso não existe mais. Só que o presidente do conselho municipal discorda.
“Com certeza, o ‘preconceito raiz’ ainda existe. Existe também aquele preconceito que a pessoa fala e, por si só, não se dá conta que está cometendo. E às vezes, a própria pessoa que é negra não se dá conta que acabou de ser vítima de preconceito”, contou Edwaldo.
O presidente do conselho deu alguns exemplos de quando isso acontece (mesmo que forma não verbalizada), mas pontuou que o cenário tem melhorado nos últimos anos para a comunidade.
“Quando uma pessoa negra, de porte grande, chega a algum lugar e as outras acham que ele é segurança. De certa forma, isso é discriminação. As pessoas já têm aquela imagem de que o preto só serve para ser segurança. Só que hoje, mais do que nunca, a gente está conquistando espaço na sociedade, conseguindo ocupar postos que, antes, não eram [ocupados por pessoas negras]”, ponderou.
Em relação a brincadeiras preconceituosas, sejam em ocasiões sociais ou na mídia (em programas, na música etc), Edwaldo da Silva disse que, para ele, elas têm diminuído. O presidente do conselho também apontou que essa diminuição vem do amadurecimento da sociedade nesse quesito.
“Eu acredito que, ao longo do tempo, a sociedade em si amadureceu. Os meios de comunicação, a cultura em si, tem buscado essa igualdade na sociedade. E, com o tempo, a gente percebe que isso [as brincadeiras preconceituosas] diminuiu. Porém, a pessoa que é negra precisa se valorizar e não se deixar ser vencida pelo preconceito, o racismo e a discriminação. Nós temos que mostrar o valor que cada um tem. Não é por ser preto, amarelo ou a cor que for que a pessoa é inferior. Vale a essência de cada um”, disse.
Neste quesito, Edwaldo usou a própria história como exemplo. Isso porque ele se considera uma pessoa da comunidade negra que reconhece o próprio valor para a sociedade e batalhou para conquistá-lo.
“Sou da periferia, nasci no meio da comunidade, sempre estudei em escola pública e sempre trabalhei, desde os 12 anos. Sempre me esforcei para ser alguém na vida. Com 18 anos, fiz concurso para a Polícia Militar, passei em primeiro lugar entre 1.500 candidatos. Hoje, graças a Deus, sou sargento e trabalho em Votuporanga. Acredito que sou um vencedor”, contou.
Trabalhos
É justamente em cima do resgate de valores, tanto individuais quanto coletivos, que os trabalhos do Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra vai se debruçar, conforme explicou Edwaldo da Silva, que assumiu a presidência da entidade no final de outubro.
“O conselho, juntamente ao poder público - sempre lembrando que o conselho é composto por oito membros da sociedade civil e dois membros do poder público - visa buscar o resgate dos valores que os negros têm na sociedade. Procura também dar amparo e ouvir essa comunidade. E se alguém tiver denúncia, sugestões e críticas, deve procurar a Secretaria Municipal de Direitos Humanos, que está sempre de portas abertas”, explicou.
O sargento acrescentou que o conselho discute, em reuniões, sobre medidas que visam inserir as pessoas negras na sociedade. “A gente pretende, ao longo da nossa gestão no biênio, criar programas de estudos, promover feiras de artesanato, para resgatar essa cultura e esses valores”, disse.
Por fim, a reportagem perguntou a Edwaldo qual conselho ele daria para os jovens negros. Eis o que ele disse: “Acredite no seu potencial. Acredite que você é capaz. Lute por isso e você vai conseguir chegar onde você quiser. Tenha objetivos na vida, deixe eles bem claros e batalhe por isso, porque você é capaz. Eu fui capaz, você é capaz e a gente pode conquistar o mundo. Basta você querer e batalhar por isso”, finalizou.
Programação
Diversas atividades que valorizam a cultura da comunidade negra estão programadas para ocorrerem neste sábado (20) na Concha Acústica, das 9h às 13h, e no Parque da Cultura, às 17h.
No período da manhã, quem passar pela região central da cidade vai poder apreciar o Aulão de Capoeira, com alunos do Mestre Lousado; além da apresentação de street dance do grupo Cypher da Praça, composto por Ticko Bboy, Bboy Wesley, Le Bboy e Bboy Danilo. Além disso, homens e mulheres percorrerão a rua Amazonas com vestimentas características da cultura afro como, por exemplo, os turbantes. Uma Mostra de Artesanato também ficará exposta e contará com apresentação de Atabaque, um instrumento musical de percussão típico da cultura afro.
No fim da tarde, às 17h, haverá apresentação do grupo de dança Jongo no Parque da Cultura. Reconhecido como patrimônio cultural brasileiro pelo Iphan (Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), o jongo é uma expressão cultural afro-brasileira, constituída por dança, canto e ritmo próprios. Suas cantigas simples trazem situações a que os negros eram submetidos, seus questionamentos, seus valores, entre outros; sua dança coletiva é cheia de movimento e alegria e seu ritmo é comandado pelos tambores: caxambu, tambu e candongueiro.
A programação foi organizada pelo Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura de Votuporanga.