Para Antonio Carlos Malheiros, o Judiciário está distanrte das crianças e adolescentes
J.L.Pavam
pavam@acidadevotuporanga.com.br
O desembargador Antônio Carlos Malheiros, do Tribunal de de Justiça do Estado de São Paulo e chefe da Coordenadoria da Infância e Juventude, disse ontem que os juízes devem humanizar as leis, ser criativos e sentir o gosto da lágrima das pessoas.
Ele proferiu palestra pela manhã em Votuporanga, no Centro de Convenções, sobre o tema Exploração e Prostituição: Implicações e Explicações. O evento fez parte da programação da Semana de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, promovida pelo Creas (Centro de Referência Especializado da Assistência Social) de Votuporanga.
De acordo com o desembargador, o Poder Judiciário ainda destaca muito pouco as crianças e adolescentes. "Estamos distantes devido ao volume de trabalho que
enfrentamos no dia-a-dia. Temos que ser mais humildes, pois a humildade é a alma do negócio".
Em sua explanação, Malheiros contou que com 13 anos de idade decidiu fazer um
levantamento numa favela de São Paulo, onde encontrou uma menina de também 13 anos de idade, magricela e grávida, morando em um barraco de chão batido, com um colchão jogado em meio a muitas quinquilharias, onde dormiam ela, sua mãe, doente de câncer, e mais cinco irmãos. "E foi nesse colchão que ela engravidou de um dos irmãos, que ela não sabe qual", disse.
Malheiros falou ainda que na Favela Bororé, da Capital, encontrou famílias onde o pai mantém relações com a filha e o avô com a neta. "O abuso sexual é de uma frequência enorme. Precisamos desenvolver um trabalho preventivo. Se a sociedade estiver próxima das pessoas, com certeza teremos um futuro melhor". Nessa favela, Malheiros trabalhou por dez anos. "Há dois anos voltei e encontrei aquelas crianças preparadas por nós, agora líderes de suas comunidades e longe do tráfico de drogas".
Recomendou que os juízes devem trabalhar em rede, com a sociedade, conselhos
tutelares, com os técnicos, para ter uma visão interdisciplinar. Acrescentou que
trabalhou durante 15 anos nas ruas de São Paulo, no período noturno, tentando fazer as crianças e adolescentes voltarem para seus lares. "Encontrei uma menina de classe abastada, que fora violentada pelo próprio pai. O homem, pais e padrastos, é o grande agressor dentro de casa. O que revolta é o fato das mães saberem e nada fazerem. A violência sexual acontece, geralmente, sob os olhos das mulheres da casa. Elas têm medo dos seus homens".
Segundo o desembargador, uma dessas mulheres confessou que via o marido levantar- se toda noite e ir para a cama da filha, mas não acreditava que seria para cometer abuso sexual, pois se tratava de um grande e respeitado profissional. "As meninas que encontrei na rua começam no abuso e acabam na exploração. O abuso sexual significa morte".
Independência
Revelou ainda que solicitou R$ 27 milhões no orçamento do Poder Judiciário para
2011, para a contratação de pedagogos e psiquiatras e informatização do sistema.
"Acabei ficando com R$ 10, o mesmo valor de um pedaço de pizza. Isso é uma
vergonha. O Judiciário não tem força e nem vontade política para reverter esse quadro e funciona como uma mera secretaria. Temos que ser independentes, como aconteceu no Rio de Janeiro, que passou a administrar suas verbas e agir rapidamente nos processos. Precisamos pagar melhor nossos funcionários".
Falou ainda das drogas. "O crack e outras drogas pesadas que estão surgindo já
chegam às crianças e adolescentes com muita facilidade e estão matando em pouco tempo. Como integrante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vamos lançar ainda em maio uma campanha contra o alcoolismo".
Comentou ainda sobre o caso de um pai que penetrou a filha de três anos e não
satisfeito concluiu com um cabo de vassoura. "Meu equilíbrio vai se esvaindo diante de algumas tragédias, mas é preciso mantermos a esperança e trabalhar com serenidade. Estamos trabalhando como padeiros, julgando por fornadas. Com esse monte de processos a gente vai querendo quantidade e vai perdendo a qualidade".
Contador de histórias
Revelou também que se transformou num contador de histórias e visitava hospitais e instituições onde havia crianças e adolescentes vítimas da violência, principalmente sexual. "A gente precisa rasgar a toga interna e trabalhar pela sociedade". Contou um caso de um menino cujo pai lhe abusava sexualmente, transmitindo-lhe Aids. Esse pai matou a esposa e antes de cometer o suicídio pôs fogo na casa, deixando o "Joãozinho" queimando lá dentro. Os vizinhos salvaram o menino, mas ele já estava todo queimado e hoje parece um ser que não dá para identificar se é homem ou mulher.
"Numa véspera de Natal passei quatro horas conversando, brincando, cantando e
tentando fazer esse menino sorrir, mas ele nem se mexeu. Então me questionei por que estava ali, sendo que poderia estar com meus filhos, ao invés de perder meu tempo assim. Levantei-me e quando estava lavando as mãos senti um puxão no meu jaleco. Era o menino que me falou: 'Tio, pode não parecer, mas eu estou sorrindo' ". O desembargador ainda respondeu a diversas perguntas da plateia.
Participaram do evento os juízes Antonio Carlos Francisco, diretor do Fórum, e o da Vara da Infância e da Juventude, José Manuel Ferreira Filho; o promotor José Vieira da Costa Neto; a delegada da Mulher, Edna Rita Freitas, o vice-prefeito Valter Benedito Pereira; o secretário de Assistência Social Osmair Ferrari; o vereador Osvaldo Carvalho da Silva; o presidente do Conselho Tutelar, Walter José dos Santos, a coordenadora do Creas, Iara Rosane da Costa Rufato; o comandante do Corpo de Bombeiros, Alex Brito e conselheiros tutelares da região.