Da Redação
Maria Eugênia Nabuco nasceu em São José do Rio Preto, mas viveu toda a infância e adolescência em Votuporanga. De família tradicional na cidade — filha do ex-prefeito Hernani Matos Nabuco e Leda Camolesi Nabuco —, ela ainda lembra-se das aulas que teve com a professora Uzenir Coelho Zeitune, que hoje dá nome a uma das escolas de Votuporanga.
Desde a semana passada ela e o marido francês Eric Plaisance, especialistas em educação inclusiva e psicanálise, estão em Votuporanga, primeiro para rever familiares e amigos, depois para participar de um Congresso Internacional de Pedagogia dos Sentidos, realizado em Campinas.
Maria Eugênia iniciou seus estudos em São Paulo, no curso de psicologia da USP e depois se especializou em psicanálise pela Unicamp, de Campinas. Psicanalista de vertente lacaniana, isso quer dizer, do pesquisador francês Jacques Lacan, ela foi buscar conhecimento na fonte - a cidade de Paris. Lá, se especializou na faculdade de Sorbonne onde conheceu Eric, no final dos anos 80. A viagem que era para ser de estudos acabou definindo os próximos anos de sua vida, seu professor no doutorado, Eric, é hoje seu marido, pai de três filhos e avô de quatro
netos. Todos moram na França.
"Fui para a França em busca também das experiências institucionais de escola experimental "Hospital Dia" (escola e hospital ao mesmo tempo). Fiz estágio e trabalhei em instituições que na época eram consideradas instituições inovadoras e criativas, que tinham revolucionado a prática institucional com criança autista, psicótica, neurótica, com fracasso escolar e todos os tipos de dificuldades possíveis em crianças e adolescentes".
Ela explica que na França existe um trabalho específico para crianças especiais, um deles é o que os franceses chamam de "famílias acolhedoras". "São profissionais formados e capacitados para cuidar dessas crianças em período integral, numa casa custeada pelo governo francês, o Hospital Dia - experiência utilizada na França desde a Segunda Guerra Mundial.
Psicanálise e escola
Fundado por Moud Manonni, em 1979, a Escola Experimental de Bonneuil Sur Marne (escola, Hospital Dia, apartamentos terapêuticos e família de acolhimento) influenciou todas as práticas institucionais na América Latina, inclusive no Brasil. "Nesse hospital trabalhei cinco anos como estagiária pesquisadora, onde também concluí minha tese de doutorado", explica.
"Manonni propõe uma educação pensada a partir da psicanálise. Em São Paulo, existe uma escola e Hospital Dia, fundada por Cristina Kupfer, professora da USP. Lá, o adolescente ou a criança entra de manhã e sai no final do dia. Como se trata de pessoas com muitas dificuldades, eles podem continuar em apartamento dentro da escola com acompanhamento de profissionais, chamados de família de acolhimento", explica.
"No Brasil existem pensadores importantes na área da Educação Inclusiva, como na UFSCar, de São Carlos e na Unicamp, em Campinas. Professores das universidades federais do Brasil participaram, recentemente, da formulação do texto da Política Nacional sobre Educação Inclusiva, texto oficial entregue para o Ministro da Educação.
Reunião
Na semana passada o casal foi convidado para conhecer os projetos da Secretaria de Educação, Cultura e Turismo de Votuporanga e saíram muito otimistas do encontro. "Foi um encontro extremamente importante e interessante com educadores e profissionais da cultura de Votuporanga. Percebemos que o Brasil, junto com os países da Europa, está tentando construir práticas de inclusão, que é exatamente que nós vivemos na França, Itália, e outros países. Realmente a gente vê o engajamento e a reflexão avançada desses profissionais aqui em Votuporanga", diz.
"É importante dizer também que no Brasil, não existem discussões e tentativas isoladas do que se faz internacionalmente. A diferença que o governo francês investe mais em saúde e educação, por exemplo. Uma criança para o governo francês, em uma situação de inclusão, dentro de um projeto personalizado de escolarização custa R$ 8 mil, por mês, em média. O tratamento inclui também transporte (táxi sanitário) para famílias com dificuldades financeiras", explica Maria Eugênia.
"Para mim, ficou muito marcado a vivacidade e o interesse dos profissionais daqui em conhecer outras experiências e saber como essas experiências podem levar os professores e profissionais a recriar a prática deles, a construir. Iniciativas estas que não são absolutamente diferentes do que a gente vivencia hoje na França e em outros países da Europa, Ásia e outros. É impressionante ver o movimento dos profissionais de Votuporanga em busca de inovação e práticas que são eficazes e produzam efeitos positivos".
Ativismo
Na opinião de Eric tudo acontece na França por força da mobilização da sociedade civil. "A exigência de sindicatos através de movimentos sociais na França é muito intensa em todas as áreas', diz.
Para Maria Eugênia as mobilizações são tão fortes e violentas que o governo não tem alternativa a não ser atender às exigências. E mesmo assim a sociedade nunca está contente.
"As críticas contra o governo são muito fortes, a pressão é muito grande. Vemos inúmeras manifestações e greves, é uma situação delicada. Há uma agitação terrível no país. E mesmo assim, para obter vaga em um serviço público pessoas podem esperar até seis meses. Este modelo está longe de ser o ideal".
Crise
Eles explicam que apesar dos avanços em relação ao Brasil, atualmente, a ideia do governo francês é suprimir postos de trabalhos "e suprimiu mais de 10 mil professores e pode chegar a 20 mil".
O motivo é a economia e também para passar a responsabilidade para instituições privadas. "A mobilização é o que faz o país crescer e avançar. Existe menos politização agora que os anos 60, época do importante movimento maio de 68, que foi uma revolução na França. Atualmente, há muito desemprego lá, em torno de 5 a 6 milhões de desempregados, um aumento grandioso. Entre 10 e 15% da população está desempregada".
"Temos informações de que os franceses são os mais pessimistas da população da Europa. Existe um pessimismo generalizado na França. Passamos por uma fase muito difícil e delicada. A postura do governo é reprimir cada vez mais. Vivemos uma política da repressão. Antes tínhamos essa eclosão de criatividades, de vivacidade, de construção de práticas, de construção de políticas inovadoras, e agora tudo é cortado. Estamos na fase do corte em tudo - de recursos, de práticas escolares e políticas que deram certo, inclusive.
Aprendizado
"Do encontro com os profissionais da Educação em Votuporanga aprendi que existem discussões sobre a formação do professor para crianças com dificuldades e necessidades especiais. Existe uma preocupação de que os professores não estão preparados para estas experiências, mas existe a mesma preocupação na França. É preciso construir novas práticas. "Temos vontade de morar no Brasil". Apesar de terem um encanto pelo Rio de Janeiro, o casal até cogita a possibilidade de morar em Votuporanga.