Tony Rocha (Foto: A Cidade)
Um novo dia estava começando. Um novo
dia que chegava com canto de pássaros, promessas e renovadas esperanças. Um dia
bonito como bonitos são todos os dias. Mas podia ser um disfarce, podia ser o
dia do juízo final travestido de inocência. Desde o dia em que fora
surpreendido na rua por uma chuva que chegara sem aviso prévio, Lobato
adquirira o hábito de sempre sair de casa com um guarda-chuva.Entretanto, naquela manhã de
sexta-feira, deixou a mulher na cama e se dirigiu à padaria sem o guarda-chuva.
Não queria servir sopa ao azar, a polícia podia confundir seu guarda-chuva com
um fuzil e, em sinal de advertência, efetuar uns oitenta tiros de fuzis
verdadeiros em sua direção. Ser colhido por uma chuva de água é infinitamente
menos perigoso que ser surpreendido por uma chuva de balas, ponderou o Lobato,
e como se costuma dizer por aí: prudência e canja de galinha não fazem mal a
ninguém.Faltavam poucos metros para o Lobato
chegar à padaria quando, repentinamente o mundo duplicou, girou e o atirou ao
solo. Homem prestativo e muito conhecido no bairro, o Lobato foi prontamente
auxiliado pelas pessoas que estavam por ali. Conduziram-no ao interior da
padaria, acomodaram-no em uma confortável cadeira, serviram-lhe água e, por via
das dúvidas, chamaram o resgate.
“Poderia me informar seu nome
completo, senhor?”, perguntou-lhe uma morena bonita na recepção do
pronto-socorro.
“José Bento Monteiro Lobato”,
respondeu o Lobato, “mas estou certo de que foi apenas uma queda de pressão,
creio que não seja necessário...”
“Repita o nome, por favor, os dois
últimos, senhor”, atalhou a morena.
“Monteiro Lobato.”
“O senhor é o escritor Monteiro Lobato?”
“O quê?! O escritor Monteiro
Lobato...”
“Estou tremendo”, atalhou novamente a
morena, “minha mãe não vai acreditar quando eu disser, até hoje ela comenta
sobre o Sítio do Pica-pau-Amarelo, posso tirar uma selfie?”, elevou a voz e anunciou, “gente, esse aqui é o Monteiro
Lobato!”
Formou-se um grande tumulto na sala
de espera. Todos queriam selfie e
autógrafo do Lobato.
“Você enlouqueceu?”, perguntou o
Lobato à morena bonita quando a poeira abaixou, “o escritor Monteiro Lobato já
morreu, eu sou seu homônimo.”
“Oh, ele morreu? Deve ser coisa
recente, quando foi? Hoje? Ontem?...”
“O que é isso?! Monteiro Lobato
morreu em 1948.”
“Mas o culpado pelo tumulto foi o
senhor, quando eu perguntei o nome devia ter respondido: sou seu Homônimo, e
não mentir dizendo ser o Monteiro Lobato.”
“Homônimo, mesmo nome, eu sou xará do
Monteiro Lobato escritor”, olhou pro alto e completou, “Senhor, faça de mim um
homem paciente.”
“Fique tranqüilo, senhor, acabei de
preencher sua ficha, tecnicamente o senhor já é um paciente, senhor.”
“Quê? Vou sair desse hospício agora
mesmo.”
“Pra ter permissão de sair o doutor
precisa ta dando alta, senhor.”
O Lobato conseguiu driblar a segurança e
correu sem olhar para trás.
“Que desculpa vai dar pelo atraso?”,
perguntou a mulher do Lobato assim que ele chegou a casa, “só falta dizer que
foi, repentinamente, cercado por um grupo de loucos.”
“Você pode não acreditar, mas foi
exatamente o que aconteceu.”
“Cretino mentiroso...”