Tony Rocha (Foto: A Cidade)
“Essencial, necessário e
supérfluo, via de regra, tudo, absolutamente tudo pode ser enquadrado em uma
dessas classificações”, disse um velho e sábio professor ao Anisinho,
“essencial é a água, o ar etc. Necessário é a sanidade, a convivência pacífica
etc. Supérfluo é tudo aquilo que não é essencial nem necessário.”
“Discordo”, retrucou o Anisinho,
“tudo é essencial, assim que é desejado, o supérfluo deixa de ser supérfluo e
se torna essencial para quem o deseja.”
E foi com essa convicção que, no
final do expediente da sexta-feira, o Anisinho pegou um vale na empresa. O
dinheiro seria usado para o pagamento do essencial chope da sexta, sábado e
domingo à noite.
Anisinho fez uma aposta na
Mega-sena, apenas uma, se a sorte estivesse ao seu lado, seria o suficiente. A
Mega-sena estava acumulada e o prêmio poderia transformar a vida de qualquer
pessoa em um ininterrupto lazer.
Na sexta e no sábado, Anisinho
divertiu-se como um doidivanas, conhecia lugares que proporcionavam muita
diversão com pouco dinheiro. Chegou a noite de domingo.
Na noite de domingo Anisinho foi a um
barzinho tradicionalmente freqüentado por belas mulheres. Famosos e famosas sempre
estavam por ali, mormente celebridades que recebiam razoável cachê por uma
breve aparição. Aproximou-se de uma belíssima garota cujo nome não recordava,
mas a vira algumas vezes na televisão.
“Eu adoraria uma diplopia nesse
momento”, disse o Anisinho à garota.
O Anisinho não aparentava ter muito
dinheiro, ou seja, não era o tipo que a garota tinha em mente, mas ela nunca
ouvira aquela palavra e, antes de se afastar, por mera curiosidade resolveu
perguntar: “O que é diplopia?”
“É um termo de Medicina, significa visão
dupla”, respondeu o Anisinho, “se eu tivesse diplopia, nesse momento, olhando
pra você, estaria vendo duas deusas.”
“Você é médico?”, perguntou a garota,
achando a cantada diferente, original.
“Sou economista, estudo e investigo
fenômenos relativos à produção, distribuição e consumo de bens.”
“E qual é o carro que você tem?”
“No momento, um carrinho popular de
cerca de cem mil reais.”
“Cem mil reais é pouco dinheiro pra
você?”
“Até ontem era uma importância
respeitável, hoje é uma ninharia.”
“Por quê?”
“É segredo, mas como você me inspira
confiança, entre outros sentimentos; vou dizer, a verdade é que sou o único
vencedor do concurso 2150 da Mega-sena.”
“NÃO!!!”
“Sim, mas fale baixo, por favor, não
posso dar bandeira, pode ser perigoso.”
“No seu apartamento ou no meu?”
“Podíamos ir a um motel, o problema é
que estou com pouquíssimo dinheiro, como disse, não posso despertar cobiça, sou
um alvo.”
“Hoje é tudo por minha conta, vou
retocar a maquiagem, volto já.”
A garota foi à toalete. Retocou a
maquiagem, deu alguns telefonemas e enviou umas mensagens. Foi tudo muito
rápido. Testemunhas disseram que antes de ser jogado no porta-malas de um carro
por três sujeitos estranhos e uma moça bonita, o Anisinho teria gritado: “Era
brincadeira, só acertei uma dezena.”
Dois dias
depois, escoriado no hospital, o Anisinho chegou à conclusão de que muito
dinheiro – ainda que apenas imaginário – só acarreta problemas.