Setembro é o mês de atenção à saúde mental, quando se discute também as importantes temáticas da depressão e da prevenção ao suicídio. É a campanha Setembro Amarelo, que traz implicitamente um debate sobre a qualidade de nossas emoções. E nessa parte a literatura pode ser uma boa aliada.
As emoções compõem as histórias, assim como as histórias impactam as emoções. Quando Machado de Assis conta a história de “Dom Casmurro”, ele nos permite visualizar as emoções do personagem, tomado pelo ressentimento. Quando Goethe apresenta em cartas “O sofrimento do Jovem Werther”, o leitor se angustia com a história de um amor impossível. Ao criar um personagem e descrever as suas emoções, os escritores franqueiam ao leitor a visualização interior do personagem, com seus sentimentos e reações emocionais. À literatura, importa uma adequada representação dos sentimentos, sensações e emoções para que os leitores vivam a história.
Sentimos essas emoções mesmo sabendo que as histórias são inventadas. A explicação para isso é a predisposição humana para a empatia. A gente quer sentir o que outro sente, as suas emoções.
O interessante atualmente é notar o tema emoções se tornando o assunto principal de muitas obras, didáticas e ficcionais. Aí, as emoções se tornam personagens explícitas. Não à toa, na sétima arte, quase todo mundo assistiu algum filme da série Divertida Mente, e Divertida Mente 2 levou estrondosos 22 milhões de telespectadores aos cinemas, três vezes mais público que o segundo filme mais assistido.
Creio que esse movimento de produção e busca por conteúdos emocionais não é acidental. Nesta época, as demandas são mais urgentes, e as mudanças, mais rápidas. Urgência e angústia parecem andar de mãos dadas. Tem ainda a aflição nas comparações trazidas pelas redes sociais. A atenção urgente não desliga nunca. Resultado? Mais turbulência emocional.
Quando as histórias fazem refletir sobre nossa saúde mental: a literatura como um calmante natural
As emoções com uma história acontecem em vários tempos. Antes de escolher um livro, já temos uma expectativa. Até as nossas escolhas de entretenimento são baseadas naquela expectativa. Já durante a experiência de leitura, sentimos as emoções da história através dos personagens, ao mesmo tempo em que as relacionamos com as nossas emoções pessoais: um acontecimento passado realizado ou frustrado, um episódio futuro imaginado.
Assim, ao lermos uma história ficcional, dialogamos com as nossas próprias experiências e expectativas. Após ler o livro, o efeito é ainda mais enigmático. Podemos lembrar desse livro ou de um personagem marcante mesmo anos após a leitura, quando uma passagem do livro ou um personagem espelha/reflete a realidade. Aí, o livro e o personagem já fazem parte de nós, de nossa vida, de nossa história!
Policarpo Quaresma, Brás Cubas, Capitu, Emma Bovary, Hamlet... Na televisão, o Brasil torceu para a viúva Porcina terminar a novela com o Sinhozinho Malta. Tô certo ou tô errado?
Esta tem sido a minha experiência de leitor, que tem me mostrado também não ser incomum surgirem insights durante ou após ler o livro. Às vezes, há até revelações sobre algum aspecto da vida. No conflito do personagem, o reflexo da própria vida. Na emoção de um personagem marcante, como se diante de um espelho, apresentam-se as próprias questões do leitor.
É claro que isso não acontece sempre: as histórias podem ser triviais ou ruins, e os personagens, inexpressivos. Mas se as histórias mexem conosco, elas serão lembradas muito tempo depois, como parte de nossas reflexões e memórias. Fazemos isso automaticamente, dia após dia, sem racionalizar.
Amamos histórias que nos emocionam, amamos histórias para nos emocionarmos. Eu, você, a tia do zap...Amamos também histórias que nos impactam, causando reflexão. Assim revemos a nossa própria vida pelos passos de um personagem, assim criamos memórias para pensar o futuro.
Um livro gera emoções e estimula reflexões, como apresentado acima. Mas na minha experiência de leitor, acontece um plus: noto a leitura me desacelerando desse mundo apressado que vivo, que vivemos, principalmente, às noites e aos finais de semana. É curioso, mas parece que o tempo da leitura é mais lento e menos exigente que o tempo das telas. Com mais ensejo à imaginação e menos oportunidade à atenção, a leitura faz um bem danado, como um calmante natural (o livro não pode ser do Stephen King!). Também por isso, a leitura é uma forma especial de poder.