A história de hoje é sobre um casal de namorados que, a exemplo de outros, também teve suas vidas dilaceradas. Os pais da moça eram fazendeiros, ele, grande artista, mas pobre. Conta-se que quem passar pela estrada verá uma tapera abandonada, carcomida pelo tempo e coberta de cipó seco. Esta casa simples, que vive no abandono, nem sempre foi assim. Aqui morou o mais afamado cantadô de toda a região, Justino, ou Tino Viola, moço bem apessoado, voz afinada, quando riscava a viola cantava com a alma, como gostava de dizer.
Houve um tempo em que o violeiro fugia do amor como o diabo foge da cruz, diziam. Mas tudo tem seu destino. Numa festa, enquanto tocava e cantava, notou entre os pares que dançavam os olhos negros, grandes, belos e sonhadores da moça mais linda que por lá passou. E se encantou.
Alguém lhe havia dito sobre amor à primeira vista, ele dizia não acreditar nessas bobagens. “Imagina, ver alguém pela primeira vez e sentir-se apaixonado, isso é coisa pra poetas, como não sou, então jamais irá acontecer comigo”, dizia ele. Segundo ditado caboclo, quem desdenha compra. Ele comprou e pagou caro.
Enquanto cantava, ela dançava. Em dado momento seus olhares se cruzaram, um arrepio percorreu-lhe a espinha em direção ao coração. Estava enamorado e sabia que era correspondido. Num intervalo do baile, se encontraram e marcaram de se encontrar novamente na quermesse do arraiá no sábado seguinte. Para ambos, a semana custou a passar. No dia e na hora combinados, lá estava ele com sua melhor roupa, e não demorou para que ela surgisse em meio a multidão. Ela, claro, era a mais linda, bailaram a noite inteira. Os pais dela estavam presentes, não viram com bons olhos aquele idílio. Ao término, foram para casa e a proibiram de se encontrarem novamente. Ao saber da notícia, nosso cantadô sofreu, sabendo que sua Clara também sofria. Durante mais de um mês ficaram sem se ver. Então, ele lhe mandou um recado, convidando-a para fugir.
A lua ia alta quando o cavaleiro surgiu na curva da estrada e ela já o esperava havia pelo menos um quarto de hora. Parou o alazão, estendeu os braços e em segundos ela estava segurando firme sua cintura para não cair com o galope.
Sentiu forte emoção ao se dar conta de que na sua garupa estava a bem amada. O sangue ferveu nas veias que nem fogo de candeia. Num gesto, torceu as rédeas fazendo o bicho esbarrar. Ali, tendo a lua por testemunha, os dois se abraçaram, os dois se beijaram e se amaram.
O sol havia descortinado a aurora quando chegaram à casa dele. Por somente dois dias ali foi um ninho de amor. No terceiro, ouviram vozes. Era o pai dela com capangas armados até os dentes. Clara foi mandada pra capital, Tino Viola era a tristeza em pessoa. Nunca mais cantou.
Certa manhã, acordou, “garrô” a viola e cantou o dia inteiro e adentrou a noite. Não era canto, era lamento. Ao amanhecer, o encontraram abraçado ao instrumento. Estava morto e tinha no canto dos lábios um triste sorriso.
Dizem que anos depois, numa manhã de garoa fina, um carro parou em frente à tapera abandonada, uma mulher muito elegante, de olhos negros, grandes e agora tristes, desceu, levando um ramalhete, acompanhada por um menino. Por instantes os dois ficaram imóveis junto da porta. Em seguida, ela depositou as flores e com a voz embargada pela emoção disse ao filho: “Aqui, eu e seu pai, por um breve instante, fomos felizes!”.