Minha crônica anterior publicada neste espaço, contando a tragédia que se abateu sobre a cabeça de Jacir e de sua família, com o desaparecimento da esposa, sem motivo aparente para abandonar o lar, ele e os filhos, causou comoção.
Confesso que ao deixar a casa, depois de tudo que meu amigo Jacir me contou, foi muito dolorido. Combinamos, a pedido dele, que eu escreveria uma crônica contando a tragédia. Vai que, por acaso do destino, alguém possa ler e, conhecendo a história, ajudar nas buscas, disse-me com fio de esperança.
No depoimento, me contou da dificuldade que foi criar as duas crianças. Fez papel de pai e de mãe ao mesmo tempo. Levantava-se muito cedo pra dar conta do recado. Os levava à escola. Antes, preparava os lanches, as tarefas ele as corrigia à noite, depois de chegar da faculdade. Vez ou outra as crianças chegavam com os olhos lacrimejando, ele perguntava o que tinha acontecido. Diziam que alguém tinha falado coisas feias sobre a mãe deles. Os coitadinhos, além de sofrerem com a ausência da mãe, sofriam também com a maldade de coleguinhas da classe.
Nos dias de comemorações oficiais na escola, para ele era muito custoso. A mais difícil era com o Dia das Mães. Todos os alunos tinham mãe, somente ele não tinha para quem dar presente. No início, levava a mãe para preencher a lacuna. Depois da morte dela, combinava com a professora e ela fazia o papel de mãe das crianças.
Em mais de uma vez, enquanto estavam no metrô, toda mulher com a aparência da Tereza, eles iam em sua direção, pensando ser a mãe deles. E, claro, voltavam frustrados.
Certa vez na praia, enquanto caminhavam à beira d’água, os três viram no uma moça indo na direção deles. Estavam de mãos dadas. Num susto, se soltaram e saíram em desabalada carreira ao encontro da estranha, gritando: “Mamãe, mamãe!” A moça ficou sem entender quando se aproximaram, eles ficaram parados à sua frente, mudos, depois de perceberem que a moça não era quem pensavam. Pediram desculpas pela importunação e, sem esperar respostas, seguiram a caminhada. A semelhança era tanta, que até Jacir, por instantes, pensou ser sua Tereza. Sentiu o corpo gelar.
Na casa, sua presença era ainda mais sentida nos objetos, que ele fez questão de deixar como estavam. Sobre a bancada no banheiro, os vidros de perfumes, os esmaltes e tudo que a ela pertencia estão no mesmo lugar. No guarda-roupas, as peças continuam exalando as flagrâncias delicadas que só ela tinha.
Por muito tempo, as festas de final de ano, para ele, deixaram de ter significado. Por isso, não ia mais comemorar com a família e com amigos. Depois de muito insistirem, passou a frequentar com certo desânimo. Aos poucos, foi interagindo e forçava as crianças para que interagissem também.
Os amigos perguntavam por quanto tempo ele ia guardar luto e sempre vinha a mesma reposta: não sei.
Um quinto de século se passou sem que ele tivesse uma única pista. Como pode alguém desaparecer sem deixar rastros? Será que Tereza seria tão desalmada a ponto de nunca mais querer ver os filhos? Essa é uma pergunta que não quer calar e vai ficar ad aeternum sem resposta.