“Existem, naturalmente, hierarquias de excelência, nas quais as pessoas mostram competências diferentes no domínio material ou espiritual de certas dimensões do real. Contudo, o fracasso escolar não é e não pode ser visto como uma expressão ou tradução dessas desigualdades naturais, uma vez que os domínios de saberes que a escola irá avaliar deverão, antes, ser ensinados.
Pressupondo ritmos e sensibilidades diversas em grupos necessariamente heterogêneos, torna-se fundamental que a nossa abordagem em sala de aula coloque o aprendiz no centro da atividade. Assim, o nosso jeito de estar em sala de aula, na condição de educadores e formadores, deve permitir e proporcionar a cada aluno aprendiz a construção pessoal do seu próprio percurso, na relação com seus pares, no diálogo investigativo.
Quando dizemos diálogo investigativo, estamos pressupondo uma comunidade de aprendizes, de estudantes e professores, que tem em mente a realização de um projeto, para o qual todos os seus saberes já construídos estão voltados. Dessa forma realiza-se o sentido da vida escolar, uma vez que o que nela se aprende pode ser investido fora dela, hoje ou mais tarde. A esse reinvestimento transcendente ou transformador especialistas nomeiam “transferência”.
Essa capacidade de transferência deve ser perseguida por todos os membros da comunidade educativa. Ora, se a transferência é essa capacidade do sujeito de reinvestir suas aquisições cognitivas, seus conhecimentos prévios, em situações novas, é imprescindível que ele, com seus pares, se depare com essas situações novas. Assim, essa transferência não é processo espontâneo, natural, prévio, não é transposição automática. Requer disciplinado trabalho mental, de um sujeito, sempre aprendiz, em uma nova e desafiadora situação, que lhe é apresentada e proposta, na qual deverá intervir.
Cada aluno aprendiz é portador de saber prévio. A competência, agora, receberá um nome: saber-mobilizar, com base na junção e integração dos recursos disponíveis. A transferência, dessa forma, é uma atualização do saber prévio, que significa nova aprendizagem em situação inédita. Assim, essa postura implica atitude reflexiva na ação. Aqui, a metacognição recebe todo o seu sentido, uma vez que implica o retorno do aprendiz sobre seu próprio processo de aprendizagem. Em decorrência, todo o aprendizado vira uma caixa de ferramentas, no interior da qual se retira o que a nova situação pede para a sua resolução.
Preparar os alunos para essa capacidade de transferência requer um contrato de trabalho que deve negar tanto a tradicional passividade do aluno que espera que o professor mostre como fazer, para que ele reproduza, quanto deverá negar a postura centralizadora do professor. É preciso negociar com os alunos um contrato de trabalho que requer deles 08 horas de atividades diárias, nas quais serão desafiados a buscar na caixa de ferramentas dos saberes construídos os recursos para resolver novas e progressivas situações problemáticas da vida real. Nessa dinâmica, na qual o aluno se torna trabalhador e aprendiz de profissão, a incerteza caminha com a confiança.
O êxito em situação desconhecida revela a aprendizagem bem sucedida da transferência. E quando o êxito esperado depende de uma aprendizagem a ser conquistada, o engajamento na aprendizagem para a transferência será maior. E nessa comunidade investigativa, ninguém domina tudo o que será necessário para a realização do projeto; por isso, as múltiplas inteligências, sensibilidades e saberes aprendem a se relacionar e reconhecem a mutua dependência.
Assim, no horizonte da educação que se volta para a construção de alunos competentes está a capacidade de interferência, com base na competência de produzir hipóteses e mobilizar saberes. Esse saber mobilizar recursos, que constitui a essência de toda competência, é um esquema de trabalho aprendido.
Se aluno competente é aquele capaz de mobilizar tudo que aprendeu para resolver situações desafiadoras em ambiente novo, então, se temos compromisso com a competência, devemos associar saber e experiência, transformando a sala de aula em oficina de construção continuada, em complexidade crescente.
Dessa forma, colocamo-nos na dinâmica de uma educação emancipadora, na qual o aprendiz é tomado e reconhecido como sujeito, e por isso, deve poder ter acesso às condições que o responsabilizarão pela construção do seu percurso, com progressiva autonomia intelectual e ética.
*Celito Meier é teólogo