Não é de estranhar que um país, que tem burguesia e intelectualidade extremamente mimetistas e povo que conheceu a escravatura legal até os finais do século XIX e a real discriminação até os dias de hoje, sofra de baixa estima e careça de verdadeiro patriotismo. Os dois segmentos que formam a nação apenas se reconhecem em seus valores e preferem o refugo da cultura alheia às pepitas de ouro da própria.
Não faltaram poetas e movimentos ufanistas, mas que se assentaram sobre bases retóricas e interesses suspeitos. O regime militar, sem credibilidade popular e calçado com pedras da repressão política, lançou movimento nacionalista, produzindo o efeito contrário. As inteligências percebiam que se agitavam ondas de sabão para esconder a água suja de interesses internacionais e anti-populares.
A auto-estima do povo constrói-se sobre reais valores humanos e na verdade da história. Antes, porém, tem de passar pelo momento da “purificação da memória”. E esta significa precisamente o confronto dos erros históricos com as oportunidades ou valores recalcados. Por ocasião dos 500 anos do descobrimento e do início da evangelização, a Igreja católica entregou-se honestamente a dolorosa mea culpa pelos pecados em relação aos índios e negros, sem esquecer, porém, os heroísmos que as gestas iniciais supuseram.
Hoje a construção da consciência cidadã nacional passa necessariamente por crítica lúcida, desinteressada e profética da cultura de massa dominante, de origem norte-americana. O prof. Aloísio Pimenta, ex-ministro e ex- Reitor da UFMG, que, em anos de exílio, viveu nos EUA, ao voltar ao país na onda da liberalização, dizia que aquela cultura não nos servia como modelo. E deu argumento inesperado. Lá as crianças e os velhos não valem. Se olharmos só este ponto, percebemos como temos cultura muito mais humana, em que a criança e o ancião despertam carinho e cuidado, não sob o prisma comercial, mas pelo extremo de humanidade que revelam.
Desde os hábitos alimentares passando pelas festas folclóricas e pela alegria popular até as expressões humanas de solidariedade o povo brasileiro tem reservas únicas de humanidade. No entanto, a cultura atual, sob o império devastador do neoliberalismo, da droga, da violência crescente, do mimetismo consumista, vem corrompendo essa base humana que nos faz a riqueza. Haja vista o lixo cultural do BBB.
O discurso puramente comercial de país-continente, com mercado interno invejável e com riquezas enormes a serem exploradas, volta freqüentemente à baila, como se aí residisse a fonte da auto-estima. O povo vale pela cultura. Naturalmente a influenciam a geografia e as possibilidades do solo, mas muito mais importam os valores éticos e religiosos. Cabe trabalho de formação da consciência nacional, impedindo que filosofias e modos de viver alheios e importados por grupos unicamente focados em interesses comerciais venham a destrui-los.
O Cristianismo construiu no Brasil sobre os alicerces das culturas aqui presentes expressões originais e valiosas. Basta citar o sentido de festa comunitária em clima religioso, que atravessa todo esse país e que nos mantém na esperança, mesmo nos momentos difíceis. Somos povo alegre e capaz de festejar para resistir e vencer os embates da triste cultura atual, que necessita da química farmacêutica para poder sorrir. A alma brasileira alegra-se por dentro.
*João Batista Libânio é teólogo jesuíta