Que significado se pode extrair da constatação de que a família e os partidos políticos habitam as duas extremidades do território da confiança social? A resposta é exatamente o que a pergunta denota: o núcleo familiar (com 90 pontos) é a instituição que mais merece respeito da sociedade, enquanto os atores políticos (com apenas 28) são os mais desacreditados, conclusão que ganha peso com o apêndice de que o Congresso Nacional está em penúltimo lugar (um pouco acima dos partidos) no ranking da confiança nacional.
Essa radiografia, tirada pelo Ibope Inteligência de um conjunto de 18 organizações e 4 grupos sociais, deixa o universo político-partidário no fundo do buraco. Para piorar, anote-se o detalhe: o índice de confiança apurado na pesquisa refere-se às pessoas jurídicas, e não à pessoa física dos representantes. Ou seja, uma crise de confiança corrói a imagem das instituições brasileiras. O retrato fica mais borrado ao se verificar que, além de partidos e Congresso, outras esferas, como os governos federal e municipais, e até o Poder Judiciário, vêm registrando acentuada queda em sua pontuação. É inescapável a conclusão de que a comunidade nacional atinge, na atual quadra, a maior distância que já manteve da esfera política. Pior é saber que essa mancha não entra na lupa dos membros das instituições avaliadas.
O que aciona o sistema cognitivo das pessoas para aumentar ou diminuir sua confiança nas instituições? Simples: o que elas veem, ouvem e sentem. Donde se deduz que sua percepção sobre a classe política e os abrigos que a envolvem é a pior possível. Vale lembrar que os níveis de compreensão obedecem a um continuum na escala social, abrigando desde a exacerbação de conjuntos médios e superiores da pirâmide ao estado impermeável da base, mais propensa a reclamar de serviços públicos fundamentais. Exemplo é o sistema público de saúde, que teve a maior queda no ranking da confiança. Inegável, porém, é que as instâncias políticas - em todos os níveis e territórios - pouco têm contribuído para motivar a sociedade. Eleições, de dois em dois anos, são fenômenos previsíveis e com perda gradativa de impacto. Os índices de renovação no Congresso até são expressivos (cerca de 50%), o que não redunda em mudança nos padrões políticos, eis que a radiografia continua a acusar as velhas mazelas: cooptação eleitoral nos moldes antigos, partidos pasteurizados, remota chance de o representante ter projetos aprovados nas Casas congressuais, presidencialismo imperial levando de reboque o Legislativo, trocas no balcão de interesses, manutenção do status quo no plano da reforma política.
O pano de fundo é tétrico. A via política tem sido pavimentada por baterias de escândalos, alguns de alto teor explosivo - mensalão, flagrantes de pacotes de dinheiro entregues a políticos e, ultimamente (caso que agita a Assembleia de São Paulo), denúncias de “venda de emendas parlamentares” -, tudo isso sob os holofotes da mídia e com repiques que acabam se infiltrando nos espaços do centro e das margens sociais. Ao fim dos bombardeios, nuvens cinzentas baixam sobre o edifício da política, sujando a imagem de seus habitantes. O efeito se faz sentir na desafeição pela política tradicional. E na substituição por outra modelagem que contempla novos circuitos de representação (associações, movimentos) e fontes diferentes de mobilização (categorias profissionais nas ruas, caravanas nos corredores congressuais), na esteira do que se chama democracia supletiva. Questões abrangentes dão vez a ações pontuais em defesa de algumas comunidades.
A micropolítica, da ação localizada e imediata, passa a ser a munição dos grupos de pressão. E assim a instituição política vai descendo degraus na escada da confiança social, enquanto outras entidades ascendem a posições mais elevadas. Não por acaso, os bombeiros, as igrejas e as Forças Armadas lideram o ranking da confiança social. A primeira constrói uma imagem de instituição atrelada ao dever de proteger a sociedade e debelar tragédias cotidianas; por falta de perfis admiráveis, os bombeiros entram na escala heroica. As Forças Armadas, em tempos de harmonia social, exprimem o ideário da autoridade e da hierarquia, valores que ganham proeminência no meio dos sinais de desordem e improvisação que permeiam a vida social e política. Já as igrejas encarnam a fé, arregimentando em seus templos multidões que descreem dos poderes terrenos e das vãs promessas da política. Desse novo diagrama institucional emerge uma nova arquitetura, com destaque para a multiplicação de novos polos de poder e força. É o espírito do nosso tempo.
*Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político e de comunicação. Twitter: @GaudTorquato