Eu sinto uma saudade muito grande de tudo que marcou em cada dia vivido que tive. Creio que você também sinta saudades. Os humanos não são diferentes uns dos outros. Eu sinto saudade quando manuseio fotos em preto e branco. Parece que elas me levam para um passado tão bonito a recordar dias que aos poucos o futuro se incumbiu de modificar. Quando sinto saudade revivo momentos que o tempo virou a página, mas não me desiludiu pela que me apresentou em seguida. Saudade dos amigos que nunca mais vi, de pessoas com quem nunca mais falei. Saudade das noites salpicadas de estrelas vistas ainda sem os gases poluentes do mundo moderno, de famílias sentadas em cadeiras de palha, enfileiradas nas calçadas a cumprimentar todos que por ali passavam nas ruas amarronzadas, ainda não escurecidas pelo piche, mas empoeiradas até o primeiro pingo das chuvas ou da chegada dos veículos municipais, providos de chuveiros improvisados nas laterais e na cauda. Sempre que podíamos, junto com outras crianças, molhávamos os pés no esguicho dos caminhões d’água acompanhando-os por longo trecho como se aquilo fosse mais uma aventura entre as demais peraltices já praticadas naquele dia. A família reunida falava de tudo, falava de educação, de bons modos, de trabalho, de lazer, falavam até do dia da pamonhada que já estava tão perto. Parece incrível o quanto esse dia servia para reunir todas as pessoas da mesma família. Misturavam-se todos numa mesa farta desde o Vovô até o recém chegado dos netos. Sinto saudades dos que se foram e de quem não me despedi direito. Sinto saudades de quem cruzou minha vida no caminho contrário e que não tive tempo de fazer dessa pessoa um grande amigo. Sinto saudades quando me lembro de todo o meu passado, das coisas que eu tive e das que não tive, mas que muito eu quis ter. Sinto saudades de coisas sérias, dos casos horripilantes contados nas rodinhas da criançada que nos davam medo até de voltar para casa antes da hora marcada. Sinto saudade dos barquinhos de papel que ainda não esqueci como são feitos, que de pés descalços eu corria a colocar nas enxurradas que desciam pelas ruas em declive buscadas pelas crianças mesmo antes que a chuva terminasse. Lá ia eu, no meio delas a sentir o cheiro do chão molhado e da grama encharcada que os raios do sol mais tarde tinham a santa tarefa de enxugar. Tenho saudades dos livros que li e que me fizeram viajar no vácuo do tempo, buscando horizontes que a vida me transformou em realidade depois; dos discos de vinil que ouvia nas radiolas que o próprio tempo se incumbiu de esconder. Tantas vezes, ainda sinto vontade de encontrar não sei o que, não sei aonde, para resgatar alguma coisa que nem sei o que é, e nem onde perdi... Sinto essa bola cósmica girando em torno de si mesma e de todo o universo, imaginando poder estar sentindo saudades em outro idioma, qualquer outro, mas minha saudade é diferente por ter nascido brasileiro. Saudade é uma palavra não incorporada no idioma estrangeiro, portanto eles não sentem o estado doce da alma que nós sentimos. E é por isso que eu tenho muito mais saudades... Porque encontrei a palavra ideal para usar toda vez que sinto este aperto no peito, melancólico, mas cheio de vida, que funciona melhor do que qualquer sinal que queira falar de existência, de passado ou de sentimentos. Ela é a prova inequívoca de que somos sensíveis, que amamos muito que de bom tivemos, que lamentamos as coisas boas que perdemos na busca da coerência e do desejável. Cada novo dia foi um presente recebido trazendo dentro dele lembranças alegres de tempos que me orgulhei ter vivido. Espero que você também deposite durante sua vida um monte de alegrias e felicidades em sua conta bancária de lembranças, quem sabe um dia você possa, assim como eu, ter um saldo invejável no Banco de Saudades que o tempo jamais conseguirá gastar.
Professor MSc. Manuel Ruiz Filho - Votuporanga - manuel-ruiz@uol.com.br