A responsabilidade ambiental é um fato consumado entre nós. Precisamos estar atentos a ela. As gerações futuras dependem de nosso comportamento responsável, porque senão um dia terão de reciclar esgotos para beberem água potável. Não temos dúvida disso. Os resíduos sólidos de nosso consumo devem ser reciclados, economizar água é necessidade fundamental para se preservar a vida. Os países europeus nem precisam trabalhar muito esse fator porque seus habitantes são muito conscientes. Quando uma empresa polui o ar, as águas ou as florestas, nenhum cidadão europeu compra o que ela fabrica, tornando inviável a sua existência. Nem é preciso que os governos façam esses pedidos, o povo é totalmente compromissado com o setor ambiental. Entretanto, não se pode atribuir responsabilidades desiguais aos brasileiros. Todos devem ser responsáveis ao mesmo tempo e todos devem cumprir as metas de consciência para que amanhã tenhamos um mundo melhor. Não importa se você vive no campo ou fora dele, nas cidades praianas ou interioranas, se você é industrial ou não, se de classe alta, média ou baixa, se altamente letrado ou ainda matuto.
Veja só que história interessante foi a carta que o Chico Agricultor enviou para seu grande amigo Luis Cláudio da Cidade. "Olá Luis, quanto tempo!!! Vou te chamar só de Luis, assim como eu te chamava quando nosso tempo de convivência era razoável. Eu sou o Chico, teu amigo de infância e colega de ginásio cursado a noite, aquele que chegava sempre depois que a aula já havia começado e que levava um pito do professor, lembra né? Também pudera, morava no sítio e tinha de andar uma légua para chegar à estrada onde um velho caminhão com um tronco de madeira atravessado na carroceria recolhia, um a um, todos aqueles que viviam do mesmo problema de distância da escola. O Chico do sapatão de couro cru e solado de pneu velho, que muitas vezes raspava o pé naquela tábua cheia de tampinhas para retirar aquele barro grudado, se lembra agora? Quer uma ajuda? Lembra do Chico dorme-dorme...? Era eu. Quando eu descia do caminhão de volta para casa o relógio já marcava as horas do dia seguinte. Era um cochilo mais longo e eu já tinha que me levantar para ajudar meu velho pai a tirar leite da branquinha, da mimosa, da Xuxa, da malhada e tantas outras. Essa era a causa dos meus cochilos que poucos da classe entendiam. Pois é, estou pensando em mudar para viver aí na cidade assim como vocês. Não que aqui no sítio seja ruim, aqui é muito bom por sinal. Respiro ar puro, ouço a orquestra dos pássaros, o borbulhar das cachoeiras. Acontece que me sinto culpado pela qualidade de vida que vocês da cidade estão levando. Tenho tido a impressão de ser um estraga prazer dos que vivem em solo calçado. Estou ouvindo muito falar que nós aqui do campo estamos destruindo o meio ambiente. Te contei que meu pai morreu? Contei não? Pois é, infelizmente perdi meu velho e precisei parar de estudar. O sítio que era dele acabei herdando. Todos os matutos daqui já têm luz em casa, mas eu continuo sem ter porque não se pode fincar os postes por dentro, uma tal de APPA que criaram aqui na vizinhança não permite. A água que uso em casa vem de um poço que meu avô cavou há muitos anos, uma maravilha, mas um homem do governo veio aqui e disse que tenho que fazer uma outorga da água e pagar uma taxa de uso, porque a água vai se acabar. Se ele falou deve ser verdade, esse povo entende muito né Luis? Para ajudar na lida das vacas de leite (já não tenho mais o pai para ajudar) contratei o Juquinha, filho de um vizinho muito pobre aqui do lado. Carteira assinada, salário mínimo, tudo direitinho como o contador mandou. Ele morava aqui com a gente num quarto dos fundos de casa. Comia aqui, era tido como da família. Mas vieram umas pessoas aqui, do sindicato e da Delegacia do Trabalho, e falaram que se o Juquinha fosse tirar leite das vacas às 5 da manhã tinha que receber hora extra noturna e que não podia trabalhar nem sábado nem domingo, mas as vacas daqui não sabem os dias da semana e não param de fazer leite. Caramba, bichos aí da cidade sabem se guiar pelo calendário? As vaquinhas daqui têm dificuldade. Ah... Essas pessoas ainda foram ver o quarto do Juquinha e disseram que o beliche estava com dois centímetros a menos do que devia. Nossa! Eu não sei como esticar o tamanho de uma cama, só comprando outra né Luis? O candeeiro eles disseram que não podia acender no quarto, tem que ser de luz elétrica, que eu tenho que ter um gerador para produzir energia e iluminar o quarto do Juquinha. Disseram ainda que a comida que a gente fazia e comia juntos tinha que fazer parte do salário dele. Que confusão! Bom Luis, aí eu tive que pedir ao Juquinha para voltar pra casa, desempregado, mas muito bem protegido pelos sindicatos, pelos fiscais e pelas leis. Mas eu acho que não deu muito certo. Fiquei sabendo que semana passada o Juquinha foi preso na cidade porque botou um chocolate no bolso no supermercado. O levaram para a delegacia, bateram muito nele e não apareceu nem sindicato e nem fiscal do trabalho para acudi-lo. Tive pena dele. Depois que o Juquinha saiu daqui eu e Marina, minha esposa (te falei que casei Luis?) desculpe se não disse, tiramos o leite às cinco horas e meia, ai eu levo o leite de carroça até a beira da estrada onde o carro da cooperativa pega todo dia, isso se não chover. Se chover, perco o leite e dou aos porcos, ou melhor, eu dava, hoje eu jogo fora. Os porcos eu não tenho mais, pois veio outro homem e disse que a distância do chiqueiro para o riacho não podia ser só 20 metros. Disse que eu tinha que derrubar tudo e só fazer chiqueiro depois dos 30 metros de distância do rio. Ainda tinha que fazer outras coisas pra proteger o rio, um tal de digestor. Achei que ele estava certo e disse que ia fazer, mas só que eu sozinho ia demorar uns trinta dias para fazer, mesmo assim ele ainda me multou. Para poder pagar a multa eu tive que vender os porcos, as madeiras e as telhas do chiqueiro, fiquei só com as vacas. O promotor disse que desta vez, por esse crime, ele não ia mandar me prender, mas me obrigou a dar 6 cestas básicas para o orfanato da cidade. Então Luis, aí quando vocês sujam o rio também pagam multa grande né? Agora pela água do meu poço eu até posso pagar, mas estou preocupado com a água do rio. Aqui agora o rio todo deve ser como o rio da capital, todo protegido, com mata ciliar dos dois lados. As vacas agora não podem chegar ao rio para não sujar, nem fazer erosão. Tudo vai ficar limpinho como os rios aí da cidade. A pocilga já acabou e as vacas não podem chegar perto. Alguma coisa deve estar errada Luis, quando vou à capital nem vejo mata ciliar, nem rio limpo, nem nada. Estranho não Luis? Só vejo água fedida e lixo boiando pra todo lado. Mas não é o povo da cidade que suja o rio, né Luis? Quem será? Aqui no mato agora quem sujar tem multa grande e dá até prisão. Cortar árvore então, Nossa Senhora!. Tinha uma árvore grande ao lado de casa que murchou e estava morrendo, então resolvi derrubá-la para aproveitar a madeira antes dela cair por cima da casa. Fui a um escritório daqui pedir autorização, como não tinha ninguém, fui ao IBAMA da capital, preenchi uns papéis e voltei para esperar o fiscal vim fazer um laudo, para ver se depois podia autorizar. Passaram-se 8 meses e ninguém apareceu para fazer o bendito do laudo e eu vi que o pau ia cair em cima da casa. Resolvi derrubá-la. Pronto! No outro dia chegou o fiscal e me multou. Já recebi uma intimação do Promotor porque virei criminoso reincidente. Primeiro foi os porcos, e agora foi o pau. Acho que desta vez vou ficar preso. Estou preocupado Luis, pois no rádio deu que a nova lei vai dá multa de 500 a 20 mil reais por hectare e por dia. Calculei que se eu for multado eu perco o sítio numa semana. Então é melhor vender. Ir morar onde todo mundo cuida da ecologia. Vou para a cidade, aí tem luz, carro, comida, rio limpo. Olha, não quero fazer nada errado, só falei dessas coisas porque tenho certeza que a lei é para todos. Eu vou morar aí com vocês, Luis. Mais fique tranquilo, vou usar o dinheiro da venda do sítio primeiro pra comprar essa tal de geladeira. Aqui no sitio eu tenho que pegar tudo na roça. Primeiro a gente planta, cultiva, limpa e só depois colhe para levar para casa. Aí é bom, vocês só abrem a geladeira e já tem tudo. Nem dá trabalho, nem planta, nem cuida de galinha, nem porco, nem vaca é só abrir a geladeira que a comida está lá, prontinha, fresquinha, sem precisar de nós, os criminosos aqui da roça.
Bem, até mais Luis. Ah, desculpe, não pude mandar a carta em papel reciclado porque aqui não existe isso, mas me aguarde até eu vender o sítio". Grande abraço meu amigo.
Professor MSc. Manuel Ruiz Filho - manuel-ruiz@uol.com.br
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